Há que referir que a Bíblia sofreu alterações e adaptações ao longo dos tempos, conforme os interesses político-religiosos do momento. E económicos também: a classe sacerdotal sempre se apoiou nos poderes instalados para viver e parasitar à sombra do Templo, vivendo das oferendas, tendo “criado” pecados e ritos para serem expiados pelo povo inculto, no Templo, perante Javé! (Veja-se, por exemplo, o Levítico)
Mas dizer que Deus inspirou a Bíblia é o maior atentado que se poderia fazer à dignidade de um Deus realmente existente! O Javé bíblico é um Deus ignorante, que não soube, por exemplo, encontrar uma melhor explicação para a existência do Universo e da Vida na Terra do que imitando as lendas cosmogónicas das culturas circundantes. Outro tanto se poderia dizer das lendas de Noé e o “seu” dilúvio, de Moisés, o “salvo das águas”, ou da Torre de Babel, lendas já há muito contadas de geração em geração... Depois, é um Deus sanguinário mandando, por exemplo, matar tudo, não só homens, mas também animais, para que se pudesse ocupar a terra pertencente a outrem: “... E passaram ao fio da espada todos os que nela (Hazor) havia, destruindo-os totalmente; nada restou do que tinha fôlego”. (Aliás, as descrições de carnificinas ordenadas ou com o beneplácito de Javé são inúmeras. Veja-se, Êxodo, Levítico, Deuteronómio, ISamuel, Josué, IReis, Juízes). Caucionou regimes de realeza que oprimiram o povo e que formaram uma forte classe sacerdotal opressora também do povo. É ainda um mutante: de sanguinário, ciumento, temeroso, hesitante no AT, passa a misericordioso no NT, com Jesus, a quem chamaram o Cristo, fazendo-o “Pai que estais no Céu”. Mutante ainda porque permitiu que Jesus, de quem disseram ser Seu Filho, alterasse as Escrituras que Ele supostamente havia inspirado, na célebre frase “O sábado foi feito para o Homem e não o Homem para o sábado” (Mc 2.27); e, ainda, na ambígua frase “Não vim abolir a Lei e os Profetas mas dar-lhes pleno cumprimento.” (Mt 5,17). (Quanto à alteração do Sábado – dia do Senhor – para o Domingo, imposta pela Igreja ao arrepio das Escrituras, falaremos mais tarde.) Enfim, aquele Javé bíblico seria um Deus horrível, sedento de sofrimento e de sangue, pois tinha um Filho, enviara-o à Terra para salvar/redimir o Homem dos seus pecados, mas exigiu a sua morte em expiação desses mesmos pecados e morte de cruz! É demais, santo Deus de todos os deuses, não é? Só no seio de um povo mentalmente “doente”, ou louco por conquistar o seu lugar ao Sol num recanto da Terra, poderia ter-se inventado tal aberração divina!
Voltaremos ao assunto para provar que o Deus das religiões, incluindo as monoteístas, é metafisicamente impossível por razões históricas, ontológicas, racionais, existenciais e psicológicas. Mas, por hoje, basta dizer que este Javé se nega a si mesmo, ao negar-se o seu atributo fundamental de tudo saber, antes e depois do tempo: a OMNISCIÊNCIA!