domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Bíblia, livro sagrado ou simplesmente humano? (5)

Há que referir que a Bíblia sofreu alterações e adaptações ao longo dos tempos, conforme os interesses político-religiosos do momento. E económicos também: a classe sacerdotal sempre se apoiou nos poderes instalados para viver e parasitar à sombra do Templo, vivendo das oferendas, tendo “criado” pecados e ritos para serem expiados pelo povo inculto, no Templo, perante Javé! (Veja-se, por exemplo, o Levítico)
Mas dizer que Deus inspirou a Bíblia é o maior atentado que se poderia fazer à dignidade de um Deus realmente existente! O Javé bíblico é um Deus ignorante, que não soube, por exemplo, encontrar uma melhor explicação para a existência do Universo e da Vida na Terra do que imitando as lendas cosmogónicas das culturas circundantes. Outro tanto se poderia dizer das lendas de Noé e o “seu” dilúvio, de Moisés, o “salvo das águas”, ou da Torre de Babel, lendas já há muito contadas de geração em geração... Depois, é um Deus sanguinário mandando, por exemplo, matar tudo, não só homens, mas também animais, para que se pudesse ocupar a terra pertencente a outrem: “... E passaram ao fio da espada todos os que nela (Hazor) havia, destruindo-os totalmente; nada restou do que tinha fôlego”. (Aliás, as descrições de carnificinas ordenadas ou com o beneplácito de Javé são inúmeras. Veja-se, Êxodo, Levítico, Deuteronómio, ISamuel, Josué, IReis, Juízes). Caucionou regimes de realeza que oprimiram o povo e que formaram uma forte classe sacerdotal opressora também do povo. É ainda um mutante: de sanguinário, ciumento, temeroso, hesitante no AT, passa a misericordioso no NT, com Jesus, a quem chamaram o Cristo, fazendo-o “Pai que estais no Céu”. Mutante ainda porque permitiu que Jesus, de quem disseram ser Seu Filho, alterasse as Escrituras que Ele supostamente havia inspirado, na célebre frase “O sábado foi feito para o Homem e não o Homem para o sábado” (Mc 2.27); e, ainda, na ambígua frase “Não vim abolir a Lei e os Profetas mas dar-lhes pleno cumprimento.” (Mt 5,17). (Quanto à alteração do Sábado – dia do Senhor – para o Domingo, imposta pela Igreja ao arrepio das Escrituras, falaremos mais tarde.) Enfim, aquele Javé bíblico seria um Deus horrível, sedento de sofrimento e de sangue, pois tinha um Filho, enviara-o à Terra para salvar/redimir o Homem dos seus pecados, mas exigiu a sua morte em expiação desses mesmos pecados e morte de cruz! É demais, santo Deus de todos os deuses, não é? Só no seio de um povo mentalmente “doente”, ou louco por conquistar o seu lugar ao Sol num recanto da Terra, poderia ter-se inventado tal aberração divina!
Voltaremos ao assunto para provar que o Deus das religiões, incluindo as monoteístas, é metafisicamente impossível por razões históricas, ontológicas, racionais, existenciais e psicológicas. Mas, por hoje, basta dizer que este Javé se nega a si mesmo, ao negar-se o seu atributo fundamental de tudo saber, antes e depois do tempo: a OMNISCIÊNCIA!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Bíblia, livro sagrado ou simplesmente humano? (4)

Do que dissemos anteriormente, facilmente podemos concluir que de divino nada tem a História de um povo que ataca e se defende, que luta para conquistar o seu lugar na Terra, sempre evocando Javé em caso de aflição e logo adorando ídolos quando o perigo passara, voltando às fomes, guerras e exílios, castigos atribuídos ao mesmo Javé, um Deus ciumento e vingativo! Absolutamente nada! Ninguém de boa fé, ou de fé esclarecida, pode acreditar assim num Deus que inspirou homens que, durante cerca de um milénio, escreveram, compilando, em diversos livros, elementos da cultura da época, já do próprio povo de Israel, já das civilizações vizinhas, como a egípcia e a mesopotâmica! Ninguém de boa fé pode acreditar num povo que se diz eleito de Javé, que de nómada passa a sedentário, “roubando” a outros a “Terra Prometida” pelo mesmo Javé – bonita expressão, mas certamente inventada, para terem o beneplácito do seu Deus e o perdão dos Homens vindouros! Ninguém!...
Mas basta de afirmações quase retóricas. É tempo de descermos até ao coração da Bíblia e aos comentários dos seus divulgadores ou dos que dela se apropriaram. Aí, ficamos sorrindo do desplante de afirmações sem qualquer suporte racional, factual ou histórico, como as do comentador eclesiástico, na versão já citada: «O importante é que o AT é a história desse povo em aliança com Deus. Nada do que se conta a respeito de Israel está desligado do seu relacionamento com Javé, o nome com que Deus se revelou.» É que é fácil concluirmos que isso não é importante coisa nenhuma, já que tal aliança com o Deus deles nada tem de original, limitando-se a imitar os costumes da época entre súbditos e soberanos, tendo o estratega Moisés tido a brilhante ideia – uma espécie de Einstein da política daquele tempo! – de tudo reportar a Javé que supostamente se lhe revelou e do qual “recebeu” as Tábuas da Lei, revelação obviamente inexistente e leis copiadas do código elaborado pelo rei mesopotâmico Hamurabi, por volta de 1700 a.C; assim, fazendo depender de Deus todas as leis, embora emanadas dos Homens, sabia que teria sempre o povo nas mãos! Ele e os seus descendentes. Grande homem, esse Moisés! Grande inspiração! Mas não divina, claro!...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Bíblia, livro sagrado ou simplesmente humano? (3)

Voltamos, hoje, à pergunta-base:
“Porque haveria de ser a Bíblia o livro da VERDADE, de origem divina, que nos revela Deus, e não apenas um livro escrito por homens, mais compiladores do que autores de lendas e tradições, escrevendo em nome de um Deus que eles próprios criaram como suporte das suas aspirações e das suas ideias de governação?”
O povo hebreu, no seio do qual nasceu a Bíblia, auto-intitulou-se “povo eleito, povo escolhido”, e veio, no tempo de Abraão (c. 1900 a.C.), da Mesopotâmia para a Palestina, refugiou-se no Egipto por causa da fome, aí foi feito prisioneiro pelo faraó e só foi libertado por Moisés, pelo ano 1200 a.C., vindo então a ocupar a Palestina onde prosperou até ao s. VI, quando ficou cativo em Babilónia; depois, foi resistindo como nação até ao s. I a.C., em que viu a sua terra ocupada pelos romanos, tendo que sujeitar-se à diáspora, em 70 d.C., espalhando-se pelo mundo... E revelou-se, no mínimo, um povo problemático, ao longo destes 20 séculos. Metido em guetos nos países de acolhimento, mesmo assim, foi criando riqueza, ciência e tal supremacia que desencadeou invejas exacerbadas, como num Hitler que não “resistiu” a dele fazer holocausto.... Tem dado à humanidade génios como um Einstein e muitos prémios Nobel, e diz-se que os judeus controlam as maiores fontes de riqueza do mundo: matérias-primas, petróleo, ouro e diamantes... Mas foi um povo desde sempre nómada, sempre tentando alcançar uma Terra Prometida e nunca conseguindo alcançá-la ou sendo dela espoliado, desde o cativeiro no Egipto até aos nossos dias em que luta por um bocado de terra a que quer chamar Pátria, terra, no entanto, disputada por outros que a reclamam com o mesmo ou semelhante direito histórico: a conquista…
Ora, a Bíblia! Realmente, que credibilidade nos merece quem afirmou, pela primeira vez, e assim se propagou de geração em geração, já em Israel antes de Cristo, chamando-lhe a Thora por antonomásia, já com Cristo, já depois dele, que é “revelada” por Deus ou é “palavra revelada”? – Nenhuma! Absolutamente nenhuma credibilidade! E, se tudo o que é bom é de inspiração divina – e partindo do princípio, certamente contestável, que tudo na Bíblia é bom – porque não se consideram livros sagrados todos os milhões de outros, escritos em todos os tempos, em todos os lugares e que são hinos à paz, à fraternidade, ao amor, a… Deus, outro que não Javé?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Bíblia, livro sagrado ou simplesmente humano? (2)

Retomemos o assunto, citando novamente:

«(...) sobre o “Livro dos livros”, a Bíblia, importa dizer que a sua leitura oferece ao leitor, seja ele crente ou não, três ordens de perplexidade: primeiro, nunca saberá quando pode interpretar os textos em sentido literal como história ou histórias ou deverá lê-los metaforicamente como mito ou mitos; segundo, nunca saberá quais os livros realmente inspirados e quais o não são, pois uns são poesia, salmos, cânticos, outros puros relatos do que os judeus fizeram como povo que quis ocupar uma terra que não lhe pertencia; terceiro, nunca saberá qual a interpretação real a dar aos textos já que os apologéticos lhe dizem que a Bíblia poderá ter mil e uma interpretações... Com tanta perplexidade instalada, o leitor bíblico interroga-se sobre as “capacidades” e veracidade do Deus que dizem ter inspirado tal texto, pois não revelou sabedoria suficiente para o tornar claro e compreensível aos olhos de todos os Homens para quem, obviamente, foi escrito!»
(Do livro “Um Mundo Liderado por Mulheres”)
Estes três importantíssimos e incontestáveis handicaps terão forçosamente de condicionar e de descredibilizar tudo o que as religiões cristãs construíram baseado na Bíblia. A começar pelo seu Cristo...
E lê-se na Introdução à 3ª edição da Bíblia, da Ed. Paulus:
«Este é um livro de verdades absolutas, de verdades para todas as gerações. É o livro da VERDADE! (…) de certezas eternas, garantidas por Deus.»
Tal afirmação, além de ser de uma completa gratuitidade, aumenta a nossa anterior perplexidade: se é “livro da VERDADE”, porque necessita de tanta exegese, tanta análise, tanta interpretação, tanto simbolismo? Não deveria ser a VERDADE clara e simples para que fosse “alimento” de todo o ser humano? Dos intelectuais mas também dos néscios? Dos cultos pelos livros mas também dos que apenas - apenas? - têm a escola da vida? Estas as perguntas-base, as perguntas-chave a que nenhum exegeta dá resposta.
Afinal, nós conhecemos apenas uma verdade absoluta: num dado momento do tempo, nascemos e logo noutro morremos. O resto é outra VERDADE que até parece necessária para dar sentido a esta curtíssima vida: o prolongar-se para além do tempo. Mas como se prolonga? Apenas na matéria… eterna? E que eternidade? Uma eternidade indiferenciada ou uma eternidade em que cada indivíduo continua mantendo a sua própria individualidade? E com que espírito? Ou com que corpo? E onde? Num céu, no tal Reino dos Céus de tanto agrado de Jesus Cristo, ou num inferno, também não poucas vezes referido pelo mesmo Jesus Cristo? Enfim, como se alcança?
É desta (IN)VERDADE que todo o crente anda à procura, perdendo-se, no entanto, pelos confusos meandros da Bíblia...
(Da alma e da imortalidade, da eternidade ou do para-além do tempo, falaremos em próximas abordagens.)