segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Eucaristia, mistério da Fé (6)

Baseando-se nos documentos mencionados nos textos anteriores, os exegetas católicos vêem neles a eucaristia instituída por Jesus, na última Ceia, à maneira de banquete, com pão de trigo e vinho de uva, sendo verdadeiramente o seu corpo e sangue, qual cordeiro imolado, pelo que a comunhão é essencial ao sacrifício, necessária e de preceito divino; deve ser recebida em estado de graça; aumenta a graça nos que a recebem, proporciona comunidade de vida em Cristo, com o Pai e com os irmãos; é figura e penhor do banquete eterno, dá a vida eterna e a ressurreição dos corpos; o sacrifício deve ser perpetuado e está no centro do culto cristão; é um sacrifício da unidade eclesial. (Resumi comentários à Bíblia aqui utilizada) Como vemos, continua-se a navegar em cogitações. Nada de credível no que se diz ou se afirma. O mistério, sempre! A História reza que a eucaristia foi oficialmente “formatada” no Concílio de Trento (1545-1564) (Nove anos de Concílio é obra! E não menos “obra” a eucaristia ter sido “formatada” c. de 1500 anos depois do “feliz” e enigmático, misterioso e mágico acontecimento!...) recheada de palavras terríveis: “Se alguém disser que na missa se não oferece um sacrifício real e verdadeiro (...) seja anátema. Se alguém disser que ao ter dito «Fazei isto em memória de mim» Cristo não instituiu os apóstolos como sacerdotes, nem ordenou que os apóstolos e outros sacerdotes oferecessem o seu próprio corpo e o seu próprio sangue, seja anátema. Se alguém disser que o sacrifício da missa é apenas de louvor e de acção de graças ou que é meramente uma comemoração do sacrifício consumado na cruz, sem ser propiciatório, seja anátema”. (Propiciatório quer dizer que, naquele acto, Cristo converte-se efectivamente, em cada missa, em vítima real oferecida a Deus, para nossa redenção. Lembremos ainda que a célebre frase “Fazei isto em memória de mim” da qual se faz derivar a instituição sacerdotal com poderes eucarísticos, é apenas referida no suspeito Paulo e no não menos suspeito Lucas; os outros três evangelistas omitem tal citação, o que é significativo!). Tal doutrina – doutrina que levou nove anos a congeminar-se! – foi “esquecida”, ou melhor, seguida, sem contestação que não fosse logo apagada pela Santa Inquisição na fogueira purificadora dos anatematizados, até 1935, ano em que o papa Pio XI, na sua encíclica “Ad Catholici Sacerdotii”, retomou o assunto, escrevendo que a missa é um “sacrifício real” e que o sacerdote “tem poder sobre o próprio corpo de Jesus Cristo, torna-o presente sobre os nossos altares e oferece-o como vítima infinitamente agradável à Divina Majestade”. Em 1947, Pio XII, na sua encíclica “Mediator Dei”, repete que a missa é “um sacrifício que representa, estabelece de novo, renova e revela o sacrifício da cruz, oferecimento real de um sacrifício, Cristo oferecendo-se, nos nossos altares, diariamente a si mesmo pela nossa redenção”. Não vamos provar com textos do NT, como o fazem os críticos da exegese católica, que todo o processo se baseia na falsificação ou adulteração dos documentos existentes, mesmo partindo do princípio que esses documentos que nos chegaram não foram eles adulterados, por serem cópias dos séc.s III e IV, cópias em que os seus autores eram eles próprios ou eram mandatados por eclesiásticos interessados na manutenção do poder sacerdotal e de casta. Creio que basta o que dissemos para reafirmarmos o que já, noutros textos lá mais para trás, afirmámos, sem receios – felizmente! – de sermos anatematizados e condenados à fogueira: a Eucaristia é uma fraude, (a juntar a tantas outras nas quais a Igreja baseia a Fé dos crentes!), ficando-lhe muito bem o epíteto de “Mistério da Fé”. Se é mistério, não se entende; se é da fé, cada um acredite se quiser. Ou, como gosto de dizer, se lhe der mais jeito para... ser feliz!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Eucaristia, mistério da Fé (5)

O milagre de Paulo, o único conhecido que lhe é atribuído: “Paulo (...) dirigia a palavra aos fiéis e prolongou o discurso até à meia noite. Havia muitas lâmpadas na sala superior onde estávamos reunidos. Um jovem chamado Êutico, que estava sentado sobre a janela, adormeceu durante o prolongado discurso de Paulo; vencido pelo sono, caiu do terceiro andar. Quando o levantaram, estava morto. Então, Paulo desceu, inclinou-se sobre o jovem e, abraçando-o, disse: «Não vos preocupeis, porque ele está vivo». Depois, subiu novamente, partiu o pão e comeu. (...) Quanto ao jovem, levaram-no vivo, e sentiram-se muito confortados”. (Ac 20,8-12) Comentário? – Só se for para dizer que é mais uma falsidade inventada por Lucas: o rapaz ou estava morto ou não; se estava morto, não havia Paulo algum do mundo que o devolvesse à vida... O mesmo, aliás, se passou com as outras três ressurreições operadas por Jesus e narradas nos evangelhos e também uma atribuída a Pedro, bem como as espectaculares ressurreições dos mortos, saindo dos sepulcros e passeando-se alegremente pela cidade, sendo vistos por muitas pessoas, aquando do último suspiro de Jesus na cruz (Mt 27,52-53): tudo fantasias ou invenções! Piedosas, se quiserem... E que nos diz João, que escreve entre os anos 90 e 100, da eucaristia (60 a 70 anos depois do acontecimento da última Ceia)? “E Jesus continuou: «Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida. (...) Eu vos garanto: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele».” (Jo 6,51-56) Também não refere o “Fazei isto em memória de mim”. É nitidamente uma literatura que nada tem a ver com a singela narrativa de uma ceia de despedida de Marcos, Mateus e Lucas. Também pouco tem a ver com Paulo. Escrevendo para pagãos que queria converter, onde os cultos incluíam ritos eucarísticos (de acção de graças) em que comendo o pão e bebendo o vinho, comiam o corpo e bebiam o sangue dos próprios deuses naqueles produtos representados, João ignora completamente os factos da última ceia – gestos e palavras – e faz a sua própria interpretação da figura de Cristo já mitificado em Deus. A Igreja “cozinhou” os vários documentos referidos e deles extraiu conclusões absolutamente absurdas, obviamente com interesses numa continuada mitificação de Jesus no Cristo divino, e também de poder e de controlo sobre as consciências dos fiéis, elegendo o sacerdote como classe à parte, dotado de poderes extraordinários: fazer descer, em cada missa – ou cada vez que pronunciasse as mágicas palavras – Jesus do Céu à Terra, oferecendo-se, em cada missa, como agradável sacrifício a Deus-Pai! Grande arquitectura fantasiosa, não há dúvida! E, para que nenhum fiel contestasse tamanha ousadia, vá de apelidar o acontecimento como “Mistério da Fé”!... Para não nos alongarmos, ainda dedicaremos um próximo texto a esta “história” da eucaristia. (Cont.)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A Eucaristia, mistério da Fé (4)

Ainda Paulo, na sua carta aos Efésios: «Vós que estáveis longe fostes trazidos para perto, graças ao sangue de Cristo. Cristo é a nossa paz. De dois povos, (judeus e gentios, supõe-se) ele fez um só. Na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio». Há quem veja aqui uma referência paulina à eucaristia. Não nos parece ter relevância para o assunto. Passemos então a Marcos (Mc 14,22-25), escrevendo uns vinte anos depois de Paulo: “Então, enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: «Tomai, isto é o meu corpo». Em seguida, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos eles beberam. E Jesus disse-lhes: «Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Eu vos garanto: nunca mais beberei do fruto da videira, até ao dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus».” E Marcos mais não disse. Nem o “Fazei isto em memória de mim”. Quem poderá deduzir deste facto que Jesus tenha instituído, naquele momento, a eucaristia, dando poder aos apóstolos – os primeiros padres – de o tornarem presente nas espécies do pão e do vinho, pronunciando, em tempos de ceia, aquelas palavras sobre o mesmo pão e o mesmo vinho? – Impossível! Só fantasiando... Aquele acto, aquelas palavras de Jesus nasceram naquele contexto e morreram naquele momento. Todas as ilações que se queiram tirar, para além disso, são puras invenções! Cronologicamente, segue-se Mateus, cujo texto será de uns dez anos posterior a Marcos (Mt 16,26-29): “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: «Tomai e comei, isto é o meu corpo». Em seguida, tomou um cálice, deu graças e deu-lho, dizendo:«Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para a remissão dos pecados. Eu digo-vos: de hoje em diante, não beberei deste produto da videira, até ao dia em que beberei do vinho novo convosco no reino de meu Pai». Como vemos, Mateus copia Marcos, quase ipsis verbis, não rematando também com o célebre “Fazei isto em memória de mim”. E, de igual modo, não há nada que aponte para o sacramento eucarístico cujo poder de o realizar foi outorgado, como afirma a Igreja, logo ali aos apóstolos e, depois, aos padres dos primeiros tempos ou dos tempos vindouros. Segue-se Lucas, mais uma dezena de anos depois de Mateus (Lc 22,17-20): “Então, Jesus tomou o cálice, agradeceu a Deus e disse: «Tomai e reparti entre vós; pois eu vos digo que nunca mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus». A seguir, Jesus tomou um pão, agradeceu a Deus, partiu-o e distribuiu-lho, dizendo: «Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim». Depois da ceia, Jesus fez o mesmo com o cálice, dizendo: «Este cálice é a nova aliança do meu sangue que é derramado por vós».” Lucas, médico de Paulo, certamente conhecia a carta aos Coríntios e, como escreve depois de Marcos e Mateus, conheceria também estes, “cozinhando” tudo neste texto, onde repete a cena do cálice. Talvez fosse buscar o “Fazei isto em memória de mim” a Paulo. E cremos que não merece mais comentários. Lucas ainda se refere ao facto, nos Actos (Ac 2,42-46;20,7): “Eram perseverantes (...) na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações. (...) Diariamente, todos juntos frequentavam o Templo e, nas casas, partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração”. “No primeiro dia da semana, estávamos reunidos para a fracção do pão.” Nada de novo, nada de eucaristia como renovação do sacrifício de Jesus na cruz! Mas, em Ac 20,8-12, narra-se o único, creio, milagre realizado por Paulo. Por caricato, como parênteses no assunto de que nos ocupamos, narrá-lo-emos no próximo texto, antes de passarmos a João com quem encerraremos esta pequena série sobre a invenção do Mistério Eucarístico. (Cont.)

domingo, 4 de dezembro de 2011

A Eucaristia, mistério da Fé (3)

Comentando a primeira referência de Paulo à eucaristia, diríamos que, além de confusa, sofre, no mínimo, de arrogância e de dogmatismo, ameaçando ou condenando à doença e à morte os que não “ceiam” de acordo com os julgamentos de Deus. A primeira afirmação é falsa ou, se quisermos, fruto da sua imaginação arrogante e megalómana: «De facto, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que vos transmiti. Isto é, que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão...» A informação do que se passou na última Ceia só pode ter-lhe chegado através dos apóstolos, apóstolos com os quais, sabe-se, teve uma difícil relação. A visão de que se arroga, quando, indo a caminho de Damasco para perseguir os cristãos, Jesus Cristo lhe aparece, dizendo “Salo, salo, porque me persegues?”, não merece qualquer credibilidade. Sabemos que era dado a ataques de epilepsia, o que explica na perfeição tal suposta “aparição”. Inteligente e curioso, saberia certamente o que os discípulos contavam de Jesus. Daí a “compor” a sua cristologia, neste caso, a eucaristia, não foi difícil, tudo encenando com a suposta visão, atribuindo-se a si próprio o epíteto de “apóstolo por excelência” por ter recebido directamente de Cristo a missão de o pregar, sobretudo aos gentios, e não só aos judeus, como parece terem pretendido os apóstolos e primeiros discípulos. As conclusões que se seguem “Portanto... Por isso... Portanto... É por isso...” não se conectam umas com as outras, não sendo claras afirmações como o ser “réu do corpo e do sangue do Senhor” ou “aquele que come e bebe sem discernir o Corpo come e bebe a própria condenação”, bem como a terminação: “Assim, não vos reunireis para a vossa própria condenação”, após aconselhar cada um a comer em sua casa..., não se coibindo de atemorizar com a doença e a morte os que prevaricarem. A propósito, merece honras de transcrição o comentário feito a estes versículos, na Bíblia que estamos usando, desconhecendo-se as fontes históricas para aquilo que o comentarista afirma: «O texto é o mais antigo testemunho sobre a eucaristia (...). No início, a celebração eucarística fazia-se depois de uma ceia, onde todos repartiam os alimentos que cada um levava. Em Corinto, surge um problema: nas celebrações, há divisão de classes sociais e de mentalidades diferentes. Muitos chegam atrasados, provavelmente porque trabalhavam e não encontram mais nada. Resultado: em vez de ser um testemunho de partilha, a celebração tornava-se lugar de ostentação, foco de discriminação (...). Neste contexto, Paulo relembra a instituição da eucaristia. Ela é a memória permanente da morte de Jesus como dom de vida para todos (corpo e sangue). A Eucaristia é a celebração da Nova Aliança, isto é, da nova humanidade que nasce da participação no acto de Jesus, não só no culto, mas na vida prática. Por isso, a comunidade que celebra a eucaristia anuncia o futuro de uma reunião de toda a humanidade. (...) Paulo já antes, na mesma carta, salientara que, ao participar na eucaristia, a comunidade forma um só corpo. (“O cálice da bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? E como há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, pois participamos todos desse único pão”.) Se a comunidade não entender isso («sem discernir o Corpo»), estará a celebrar a sua própria condenação, pois desligará a eucaristia do seu antecedente e das suas consequências práticas: solidariedade e partilha. ...) A fraqueza, doença e morte de muitos membros testemunham a falta de partilha e de solidariedade. (...)» Para não nos alongarmos, apenas diremos que tanto Paulo como, neste caso, o comentarista fazem uma confusa mistura entre o natural de uma ceia partilhada por uma comunidade e a dita eucaristia em que se “come” o corpo e se “bebe” o sangue de Cristo. Mas repare-se que Paulo nunca diz que, pronunciando as mágicas palavras sobre o pão e o vinho, estes se transformam realmente – como afirma a Igreja – no corpo e no sangue de Jesus Cristo. Tudo não passa, pois, do campo da simbologia! (Cont.)