segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Teologia e Filosofia, que entendimento?

Ou Filosofia versus Teologia! Ou Ciência humana versus Ciência divina! Ou ainda – indo à etimologia grega das duas palavras: fílos + sofia = amante da sabedoria e téos + logos = tratado sobre Deus ou deuses – Sabedoria do Homem versus Conhecimento de Deus. Tudo seria interessante, dentro da racionalidade, se a Teologia não se tivesse “especializado”, isto é, não se tivesse acoplado a cada uma das religiões e suas seitas, havendo teólogos católicos, teólogos protestantes, teólogos judaicos, teólogos muçulmanos, teólogos hindus, etc., etc. Tais teólogos ou tais teologias tornam-se, portanto, anquilosadas, castradas porque coarctadas ou subjugadas ao peso da religião e seus dogmas que defendem ou pregam ou estudam, parecendo não lhes importar a (in)verdade das outras religiões: só a sua religião é a verdadeira ou a que fala verdade acerca de Deus! Numa perspectiva humanamente abrangente e racionalmente aceitável, não deveria haver teólogos adstritos a qualquer religião, mas simplesmente teólogos. Sem epítetos castrantes ou inibidores da sua liberdade de pensar, de questionar, de propor ideias novas, não acerca deste ou daquele livro dito sagrado, mas acerca da evolução da ideia de Deus ao longo da História. É que os teólogos existentes actualmente partem de um princípio totalmente errado: por exemplo, os católicos, partem da sacralidade e indiscutibilidade da Bíblia (AT e NT), inquestionável por ser Palavra de Deus revelada aos Homens, nada mais podendo fazer do que tentar interpretá-la; os judeus, da Tóra, os muçulmanos, do Corão. Tal restrição impede uns e outros de ver onde realmente está a Verdade, a Verdade universal, concentrando-se apenas na “sua” verdade. Que limitação, santo Deus de todos os deuses! Que desumanização do pensamento e da capacidade de raciocinar! Diríamos, então, com não pouco fundamento, que Filosofia e Teologia etiquetada são incompatíveis. A Filosofia só é compatível com uma Teologia que estude o fenómeno religioso como fazendo parte da História do Homem, tentando interpretações para tal fenómeno, fazendo a sua análise desde os politeísmos até aos monoteísmos, aos New Age e a todas as seitas associadas quer às religiões, quer às superstições. Isso é Teologia livre de pensamento, não acorrentada, não sujeita a dogmas de Tradições ou de papas, gurus, imans ou rabis que obrigam, sob anátema, à sujeição a uma Verdade que, mesmo que quisessem, não podem questionar. E é essa Teologia livre, onde a Filosofia tem pleno lugar, que vamos praticando por aqui!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Homem, o Tempo e o Transcendente (3/3)

Ora, o Homem, não aceitando de bom grado, acabar-se ali com a morte, como acontece com qualquer ser que teve o privilégio de ter vindo à vida – privilégio, porque é o “escolhido” entre milhões de hipóteses de terem sido outros a tê-la, embora para muitos, humanos e não humanos, a vida seja um drama constante de luta para não perecer de fome ou doença ou ser caçado... – possuindo realmente dentro de si uma inexplicável força que o leva a desejar ser eterno, prolongar-se para além do tempo que lhe foi concedido, logo à partida, no ADN..., o Homem vai de inventar e de arquitectar um sistema onde pudesse apoiar tal inexplicável desejo. E, assim, nasceram as religiões, apelando para um transcendente, um divino, um Deus! O resto que se seguiu de Céus e Infernos, Anjos e Demónios, Santos e Santas, Alminhas e Igrejas, Cantares e Ritos cerimoniais, romarias e promessas, peregrinações e santuários, livros sagrados ditos de inspiração divina – livros que um Deus que se preze teria vergonha de escrever, tantos são os erros científicos, tantas as crueldades, tantas as confusões em afirmações chave para a salvação do mesmo Homem (e estou a pensar em todos eles, a começar e a acabar na Bíblia cristã, sobretudo o AT, embora, haja neles referentes maravilhosos de literatura e pensamento – tudo isto ficou ao sabor da imaginação de cada um, melhor, de cada dito iluminado, dizendo-se de motu proprio, inspirado por Deus, sendo tal inspiração, depois, ratificada por todos os que viram e vêem na religião uma bela forma de vida... (Salvam-se todas as raras excepções, obviamente!) Então, resta-nos perguntar: “O transcendente existe? Deus e os seus Céus com os seus Anjos existem? O Inferno com os seus demónios existe? O paranormal existe?” Vou citar, de cor, o que, a respeito, diz o insuspeitável cientista e grande divulgador da Ciência, nos anos oitenta, o americano Carl Sagan, no seu livro “Um Mundo Infestado de demónios”: «Nenhuma afirmação sobre o sobrenatural, nenhum manifestação de que o sobrenatural existe resiste a uma avaliação científica ou resiste à aplicação do método científico a essa suposta realidade.» Então, em que ficamos? – A resposta é só uma: a fé para quem quiser continuar no sonho, a descrença para quem quiser abraçar a realidade, analisada de um ponto de vista racional e científico. Por agora, realmente, nada passa o patamar da efabulação, da crença, da fé. Mas – digamo-lo sem medo – a fé é imprópria de um ser racional, é mesmo anti-racional e, por isso, desumana ou inumana! Só se aceita numa perspectiva, perspectiva que não é de menosprezar: ela ajuda a viver esta vida, vida única e irrepetível, a única vida que temos a certeza de possuir, pois nela somos. A outra pertence ao sonho! E sonhar, diga-se, é tão bom!... Acrescentemos que o tempo se pode definir como o que medeia entre um antes e um depois, havendo apenas tempo para o que, ou quem, começa num momento e acaba num outro mais à frente, tendo-se esgotado o seu tempo. Assim, nós! Assim, todo o ser que um dia viu a luz do dia. Se um dia viu a luz, em outro dia há-de forçosamente, inexoravelmente, “ver” as trevas, as trevas eternas. Esta é a VERDADE, custe-nos as lágrimas que quisermos!... Para acabar, citemos a Bíblia, num dos seus belos textos: “Goza a vida com a esposa que amas (...) Tudo o que puderes fazer, fá-lo enquanto tens força, porque, no mundo dos mortos para onde vais, não existe acção, nem pensamento, nem ciência, nem sabedoria.” (Ecl 9,9-10) Eu traduziria livremente: “Alegra-te e diverte-te enquanto tens vida, pois no reino dos mortos não há alegria”. Aliás, imitando o que se diz no Eclesiástico: “Não te prives de um dia feliz nem deixes escapar um desejo legítimo. Acaso não vais deixar para outros o fruto das tuas fadigas e não vai ficar para os herdeiros o fruto dos teus sacrifícios? Dá e recebe, e diverte-te, porque no mundo dos mortos não existe alegria.” (Eclo 14,14-16) É isso: gozemos a vida! Da impossível imortalidade da alma humana falaremos em próximos textos.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Homem, o Tempo e o Transcendente (2/3)

Voltemos, então, às clássicas perguntas: “Quem sou eu? Donde venho, o que faço aqui e para onde vou?” A resposta mais óbvia até é fácil. Quem sou? – Sou um ser vivo, pertencente à classe dos primatas, dotado de um cérebro capaz de raciocínios abstractos e de deduções elaboradas, de sentimentos e emoções, cérebro a que, por isso e por ignorância, um dia, chamaram de alma ou espírito. Donde venho? – Venho do Nada: antes de eu ser tudo existia: o Universo com toda a sua grandeza, todos os seus mistérios; e tudo continuará a existir depois que me for, pois, bem vistas as coisas, nada valho face ao Universo! O que faço aqui? – Vou viver, por aqui, nesta engrenagem universal, engrenagem sempre em movimento, sempre em mudança constante com o Tempo que não pára e nos envelhece dia-a-dia, inexoravelmente levando-nos para o fim: a morte..., uns oitenta, noventa, cem anos – mil que sejam ou... fossem! E, depois, para onde vou? – Vou voltar para o Nada de onde, um dia, vim, não deixando qualquer rasto, mesmo que seja um Einstein ou um Jesus a quem chamaram de Cristo, esquecidos, quase de certeza – esta afirmação nada tem de cientifico, cogitações apenas! – daqui a um milhão de anos ou, se quiserem, mil milhões, que a Terra e o Homem, provavelmente nela, ainda tem uns quatro mil milhões de vida pela frente. Mas também a Terra e tudo o que nela habita, tal como todo o ser vivo ou não vivo, acabará com a morte da estrela que lhe dá vida: o Sol! Disto, a Ciência e os astrónomos não têm dúvidas! Acreditemos, pois, para não sermos imbecis! Permitam-me que, aqui, cite a Bíblia do agrado de tantos fundamentalistas biblistas: “Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris”: “Lembra-te, ó Homem, que és pó (ou vieste do pó) e para o pó voltarás”. (Gn 3,19) Diríamos mais correctamente, com Lavoisier, que nada acaba, tudo se transforma, tudo continuando, tudo se transformando ora em seres com vida, ora em tremendos monstros de luz e energia, estrelas sempre morrendo, sempre se transformando em super-novas, na mesma ou em outra galáxia que também estas não param no seu rumo imparável para o Grande Desconhecido! Este, sim, este é um total mistério! Algum dia o Homem o desvendará? Talvez! Quem sabe? É que o Homem é uma das mais novas criaturas, resultado da evolução criativa, pela força da Natureza ou, se quiserem do Deus-Criador: diríamos que nasceu ontem, nos seus cerca de quatro milhões de anos que tem de vida. Ora, ninguém conseguirá predizer como se desenvolverá o seu cérebro até ao fim dos Tempos terráquios, ou seja, durante os próximos quatro a cinco mil milhões de anos?! Mas o Homem – NÓS! Com maiúscula para assumirmos toda a nossa importância de seres superiores dotados de alma racional, distinguindo-nos de todos os outros seres vivos que apenas têm uma alma primária ou vivencial, ou seja, perspectivada em função da conservação da sua espécie – não aceita de bom grado ter vindo à vida, como qualquer ser vivo, mas, por ter “alma racional”, pensa que tem direito a privar com o transcendente ou divino e a prolongar-se pela eternidade, com Ele – chamemos-lhe Deus – num Céu de delícias, o almejado Paraíso apregoado em todas as religiões, com mais ou menos nuances ou efabulações. O paraíso mais bizarro é o proposto por Maomé para os homens: “centenas de virgens à sua espera para os fazerem felizes por toda a eternidade!” Também não podemos esquecer o contra-ponto: o Inferno com os seus simpáticos demónios para onde irão os condenados também por toda a eternidade... Por bizarros que são Céu e Inferno, rondando tais conceitos a irracionalidade, ainda falaremos aqui do assunto, já que faz parte da crença de milhões de fiéis, não só católicos mas também de outras religiões.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Homem, o Tempo e o Transcendente (1/3)

Este tema foi abordado num dos últimos textos que, sabiamente, o Pe Anselmo Borges, meu antigo colega, professor na Universidade de Coimbra, publica, ao sábado, no DN, Opinião. Pela sua importância do ponto de vista filosófico-existencial, abordemo-lo também aqui. O Homem, afinal o que é? Ou, perguntando, classicamente e fulanizando: “Quem sou eu? Donde venho, o que faço aqui e para onde vou?” É a resposta a esta tríade que deveria preocupar todo o Homem, desde que toma consciência da sua existência, nos finais da puberdade, até ao termo dos seus dias. Aliás, deveria ser tema de educação escolar para que não se gerassem monstros humanos como os que governaram e governam o mundo (Veja-se o último texto no meu outro blog “Ideias-Novas”) E o Tempo? O que é o Tempo? Limita-se a um passado que já foi, a um futuro que ainda há-de ser e a um presente em contínua e inexorável mutação para o passado? E o Transcendente existe realmente ou é fruto da imaginação fértil do mesmo Homem? Precisemos: o Homem, reposta que foi a Verdade da sua origem, contra uma visão atávica da Bíblia, imposta ao mundo desde os primórdios do cristianismo, por Darwin, evoluindo do primata macaco..., é um ser que vive na Terra há cerca de quatro milhões de anos – o que não é nada em relação ao Tempo conhecido, tendo o Universo uns quinze mil milhões, o sistema solar, onde a Terra se integra, uns cinco mil milhões, o aparecimento da vida uns 3,5 mil milhões, os dinossauros uns duzentos milhões (tendo-se extinguido há c. de 65 milhões). Neste curto lapso do Tempo universal, o Homem só começa a ter realmente História, com o aparecimento do sapiens sapiens, que data de cerca de quarenta mil anos, pois, com ele, aparecem as primeiras civilizações, e é com essas civilizações que vêm as primeiras religiões, directamente ligadas ao culto dos mortos e aos elementos sentidos e vividos pelo Homem: terra, água, ar, Sol, o firmamento das estrelas. Ora, quarenta mil anos são nada em relação ao Tempo! E, se analisarmos a evolução da civilização, vemos que a História conhecida se caracteriza por altos e baixos, apogeus e quedas, vitórias e derrotas e, sobretudo, por muita estupidez manifestada na ganância, na inveja, na luta fratricida, para se roubarem uns aos outros os seus bens e deles usufruírem, sendo a guerra a melhor maneira de os alcançar, apesar do esforço e do sangue derramado. Fantástico Homem!... Bem vistas as coisas, hoje, apesar de toda a evolução tecnológica, toda a evolução da Ciência, ainda não saímos deste mísero estádio de estupidez suprema: vejam-se as guerras por todo o lado, os arsenais de armamento, as injustiças sem julgamento, as corrupções, os roubos e os ladrões e criminosos defendidos por bons advogados – advogados que serão tanto melhores quanto melhor conseguirem salvar da prisão e do cadafalso esses mesmos ladrões e criminosos! É! O Homem de hoje conseguiu criar uma sociedade desequilibrada, totalmente insustentável, totalmente injusta em que meia dúzia de espertos tem quase tudo e todos os outros têm quase nada, morrendo muitos deles – milhões! – de fome. E são esses espertos que governam o mundo, caramba! Voltaremos, no próximo texto, às clássicas perguntas: “Quem sou eu? Donde venho, o que faço aqui e para onde vou?”.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Eucaristia, mistério da Fé (7)

Ainda sobre a eucaristia e para, com brevidade, falar dela como um dos mais antigos actos de culto das religiões conhecidas, egípcias, persas, hindus e gregas, transcrevemos o que nos diz Pepe Rodríguez no seu livro “Mentiras fundamentais da Igreja Católica”, Terramar, pp. 231 e 232: «Entre os hierofantas helénicos – reveladores da ciência sagrada e mestres dos Iniciados nos Mistérios – (...) Ceres (que representava a fertilidade da terra, a regeneração da vida que brota da semente) tinha o seu símbolo no pão. E Baco (... representante da sabedoria e do conhecimento) tinha o seu símbolo no vinho. Baco pertencia à espécie de deuses solares que, em diferentes culturas, carregavam com a culpa da humanidade, razão pela qual eram mortos e, em seguida, ressuscitados.» «Os sacerdotes egípcios, no culto a Ísis, distribuíam pelos fiéis tortas de trigo sem fermento que tinham um significado parecido com a hóstia católica. O “soma”, a bebida sagrada que os brâmanes preparavam com o sumo fermentado de uma planta rara, “asclepias acida”, tinha o seu correspondente na “ambrósia” ou “néctar” dos Gregos e, em última análise, na eucaristia católica visto que, em virtude de certas fórmulas sagradas (mantras), o licor ou “soma” se transformava no próprio Brama.» «O viril ou custódia, receptáculo de metal em que se guarda a hóstia consagrada que, regra geral, se apresenta como uma espécie de sol radiante de onde emanam raios dourados que partem em todas as direcções e que pode ser visto em todas as igrejas cristãs, já existia com igual forma e função no culto de Mitra originário da Pérsia. Nesse culto, a custódia representava esse deus jovem, enquanto força imanente do Sol, concebido como regulador do tempo, iluminador do mundo e agente de vida.» «(...) Justino (100-165), na sua “Apologia I”, viu-se forçado a defender o cristianismo ante os que acusavam este de plágio: “A imitação da qual (eucaristia cristã) foi o próprio diabo a fazê-la com os Mistérios de Mitra, pois vós sabeis que eles (os adoradores de Mitra) também tomam pão e uma taça de vinho nos sacrifícios em que participam os iniciados e pronunciam certas palavras a esse respeito.» A base destas afirmações assenta na bibliografia sobre o assunto apresentada, entre outra, no final do livro referido.