domingo, 23 de junho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (31/?)


  
 
Mas houve uma noite em que o sonho comandou a vida... Invernia feroz! Chovia a cântaros e o vento rugia lá fora em tempestade. Eu e os meus fugíramos a tempo do mar, onde tínhamos ido pescar para termos de que comer, já que o “pão nosso de cada dia nos dai hoje” pedido ao Pai só funciona, di-lo a experiência, se a gente o procurar ganhar ou alguém fizer o favor de no-lo dar, no velho ditado de “Deus ajuda a quem se ajuda.” De outro modo, ter-nos-íamos afundado no meio das ondas que entretanto se formaram alterosas com os ventos: a Natureza “lembrara-se” nitidamente de varrer aquela terra de poeiras e securas, de forma violenta, cansada de chuvas amenas de outras eras. É que já não chovia havia muito e todos clamavam a Deus por um milagre. Então, todos levantavam as mãos para o Céu, aproveitando eu para proclamar com a certeza dos demiurgos: “Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-á!”. Mas o Pai tardava em atender o pedido dos Seus filhos ou... do Seu Filho dilecto que eu era. Até que... ali estava a chuva ou o milagre dela! Chuva à farta, chuva em abundância, chuva que não só regava mas arrasava e inundava bens e vidas. Os campos iriam ficar a abarrotar de água, os rios transbordando. Assim, juntamente com a alegria da chuva facilmente se lia no rosto das pessoas o medo das enxurradas que tudo arrastam e tudo arrasam parecendo não ser preciso ter fé para ver montanhas, pequenas, claro, a serem transformadas em colinas ou aplanadas como se movidas por forças invisíveis. No entanto, passada a tempestade, como sempre acontece, veio a bonança e, com ela, o comentário de milagre: as minhas preces e as dos meus tinham sido atendidas por Deus-Pai que pontificava nos Céus, governando lá do alto a ingrata Terra enquanto não decidisse definitivamente descer até ela e nela implantar o seu Reino, o que certamente só aconteceria após os Homens terem rezado muitas e muitas vezes aquela oração que eu já ensinara e que dava pelo nome de “Pai nosso que estais no Céu, venha a nós o vosso Reino!” Alguns menos devotos, e com menos temor do Inferno, bem que diziam que Deus tinha exagerado no milagre e que já que acedera a tantas preces vindas de toda a humanidade conhecida, tendo à frente o seu filho dilecto, bem poderia ter mandado a chuva mais amena embora grada para não estragar campos já plantados e searas pois, agora, era necessário começar tudo de novo, o que representava uma trabalheira e uma perca dos diabos. Mas, sentindo-se impotentes perante o “divino”, lá se iam conformando dizendo com os mais devotos: “Insondáveis são os desígnios de Senhor, o Deus do Céu e da Terra...”. Da borrasca no Mar da Galileia a que a tempo escapámos, iria Mateus mais tarde inventar um milagre. Mais um para me divinizar...
    Essa foi uma das noites que decidi passar em casa de Maria Madalena, mesmo sem ter sido expressamente convidado, pois para tanto não houvera tempo, já porque se aproximava a tempestade, já porque Madalena tinha tarefas a cumprir, outras que não só a de me acompanhar. Mas eu bem sabia que a casa estaria à disposição e que bastaria bater para que fosse recebido de braços abertos, com a maior das alegrias, o mais rasgado dos sorrisos, cumprindo-se ali, sem ter de apelar à fé, o simpático e humano “Batei e abrir-se-vos-á!”. A noite caiu medonha. Relâmpagos rasgavam as trevas, trovões soavam ecoando pelas montanhas e devolvendo o lúgubre som. E, enquanto eu dormia o sono dos justos, já me tendo encomendado ao Criador, Madalena – contou-me ela mais tarde – continuava a não conseguir adormecer, deliciando-se, de olhos fechados ou semi-cerrados, com o bater compassado da chuva no tecto da casa de telha vã e nas vidraças, bater que se avolumava ou retraía conforme as rajadas de vento eram mais ou menos violentas. E aconchegava-se nos cobertores tentando aquecer-se a si mesma já que, dormindo só, não tinha ninguém que se lhe unisse ao corpo para juntos partilharem calores e afectos. Foi então que, carente, esquecendo-se do Reino dos Céus e dos temores do Inferno, desejou ter-me ali a seu lado, deliciando-se na doçura do pecado que seria se em tal tentação eu caísse, soltando-me do meu quarto e vindo até ao seu ou, desnudando-se ela de vergonhas e preconceitos de que a mulher tem de ficar à espera da iniciativa do outro, aparecesse ao de leve, pé ante pé, para não me acordar, mergulhasse no meu leito preparado com todo o cuidado pela sua fiel serva, me desse suave beijo e distendesse o corpo junto ao meu para apenas – não mais que isso! – partilhar os tão desejados afectos e calores. Nada mais. A não ser que eu quisesse, que me deixasse tentar, soçobrasse ao desejo mais natural em todo o homem que não renuncia, castrando-se, ao apelo soberano da Natureza: “Sede fecundos e multiplicai-vos!” No entanto, a perspectiva de um “Não!” tirou-lhe a coragem de avançar à descoberta de emoções cujas consequências não poderia prever. Talvez eu, zangado, nunca mais quisesse voltar a sua casa e isso seria para ela uma perda irreparável, risco que de modo algum poderia correr. Por isso, decidiu esperar por um “milagre”, sonhar que estava mesmo nos meus braços, não lhe importando sequer se eu soçobraria ou não ao natural desejo. Mas, já avançada a noite, vencida pelo cansaço de um árduo dia de trabalho, adormeceu ao som monótono e embalador da chuva que tocava suaves melodias na telha vã e nas vidraças...

domingo, 16 de junho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (30/?)

 

    Com Maria Madalena, a cena repetia-se: o beijo de boas-vindas, o lava-pés e mãos, a refeição a dois, a conversa sobre o Reino, o dormir o sono dos justos... Por vezes, antes de me recolher aos aposentos, reclinava a cabeça no regaço dela, quase que adormecendo quando ela me alisava os cabelos ora secos da poeira dos caminhos, se eram tempos de Verão, ora humedecidos pela chuva que caíra e os ensopara até à raiz, várias vezes secando, várias vezes se molhando, conforme a pregação fosse em sinagogas ou átrios cobertos ou a céu aberto, tendo como tecto o azul do trono de Deus que, “de certeza”, estava lá em cima com os Seus anjos, olhando a Sua criação e nela o Homem, sem quaisquer peias de paredes ou carne que O impedissem de ver até no mais profundo dos corações. Não elevava eu as mãos ao Céu para dar graças ao Pai quando tinha sucesso em algum milagre ou orava pelo mundo que não me queria ouvir nem parecia disposto a aceitar a minha mensagem?
    E, já se alongando a noite, recolhia-se ela, adormecendo e sonhando certamente comigo que ali estava paredes-meias, bastando-lhe um abrir e fechar de porta para ficar ao pé de mim, comigo todo inteiro, alma e corpo, lado a lado, partilhando o mesmo leito, mas também a mesma utopia do Reino de Deus... Eu..., eu dormia o sono dos justos, não pensando em Maria Madalena senão como boa mulher que me ajudava caridosamente, não alimentando voluptuosos  desejos de a possuir na beleza do corpo, apesar de tanta intimidade...

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (29/?)

A vida adulta
    Maria Madalena estava embevecida, quase não se contendo de alegria. Tinha pela primeira vez em sua casa, aquele a quem já muitos, a começar pelos discípulos, chamavam de Mestre. Mas um homem também. De perfeita estatura semita: cabelo encaracolado e curto, olhos negros profundos, ombros largos de macho bem constituído. E em breve iria dormir e... sonhar. Como seriam os sonhos dela? Sonharia com o Reino de Deus que eu lhe acabava de anunciar ou... com uns braços fortes que gostaria de ver ao redor do seu corpo de mulher perfeita, receptiva?
    Lá fora, pela janela, descortinava-se majestosa a lua, deslizando em correria por entre as nuvens, sendo estas embora que corriam impelidas pelo vento. Uma redonda bola de luz, alimentando sonhos, tornando mais belo o céu da Terra, o Céu de Deus... Um cenário convidando ao romance, apelando ao sonho. E a noite adormeceu connosco...
    De manhã, Madalena apareceu com um bom-dia de sorrisos, comprometidos os dela que não os meus. Mas tudo com naturalidade. Como se nada de estranho tivesse acontecido. Eu, manifestando pressa, ansiedade, dizendo que os discípulos já me estariam esperando junto ao lago para lançarem as redes ao mar de multidão que em breve acorreria, muita gente sedenta de Boas Novas e de milagres, tomei o frugal pequeno almoço, agradeci e saí.
    Muitas outras vezes, viria, durante a minha vida pública, pernoitar em casa de Maria Madalena. E se, ao princípio, os discípulos não viam com bons olhos tal facto, pois não era de santa a probidade de Maria, tiveram depois de o aceitar, por rotineiro, dizendo eu, repetidas vezes, que vinha não para salvar os justos mas os pecadores. Aquele que pensasse ser Madalena uma pecadora e se considerasse isento de culpa, não vendo a trave no seu olho, mas o argueiro no olho do próximo, que atirasse a primeira pedra... Tal sentença silenciou para sempre toda e qualquer boca maldosa!
    Ah, como era acolhedora aquela casa, sobretudo nas noites de invernia em que chegava molhado e com frio até aos ossos! Que bom aquele calor que irradiava de tão simpática companhia! Sendo casa pequena, não podia albergar os discípulos. Estes ou dormiam nas suas quando andávamos por perto, ou se socorriam de benfeitores que generosamente se ofereciam, por toda a parte, para lhes dar guarida. “Posso ir hoje dormir a tua casa?” E a resposta nunca era de negar acolhimento a quem se preparava para comigo participar no Reino de Deus, Reino que estaria prestes a descer do Céu à Terra, fosse o que fosse que tal Reino significasse.
PS:
Ainda sobre os milagres
É fantástico o que se afirma – ou o que a Igreja afirma/admite – como milagre. Normalmente, é atribuído ao santo ou à santa (ou à Virgem? ou a JC? ou ao santo ou à santa por intermédio de uma ou de outro?) o milagre de uma cura não explicável pela medicina convencional (nem sequer se considerando a existência e a possível explicação pelas medicinas – muitas! – ditas alternativas). E a Igreja, quando um fenómeno destes acontece, apressa-se a perguntar ao crente qual foi o santo da sua devoção que invocou para ficar curado ou – normalmente são mulheres! – curada e, assim, firmar a santidade daquele que, ouvindo as preces do seu devoto – ou sua devota – intercedeu junto de Deus para que fizesse o milagre. Ou então, qual foi o/a candidato/a a santo ou santa invocado/a. Tal está acontecendo com os pastorinhos de Fátima que, com um suposto milagre-cura, admitamos, não explicável pela medicina convencional, – ou ainda não explicado! – foram feitos beatos, o primeiro passo para, com um segundo milagre, passarem a santos! É: a igreja precisa de santos. Por isso, vai de inventar os milagres, fenómenos que, segundo ela – aliás, quem haveria de ser?! – são analisados com o maior rigor científico... E não é que os crentes acreditam nestas autênticas fraudes médicas que a Igreja lhes apresenta como Verdades de intervenção divina?
Mas, neste complot religioso de mentira, há tanto de irracional que espanta como crentes inteligentes não questionam tais aberrações, à luz da razão, que a Igreja lhes serve em pratos de... Fé. Vejamos: um “milagre” – supostamente, milagre, claro! – chega para tornar qualquer um, qualquer uma, santo ou santa? Então, porque cura só aquela pessoa e deixou outras por curar, outras que, certamente, invocaram a mesma personagem? Quantos não invocaram já os pastorinhos de Fátima, em situações de apuro, e não foram atendidos? Porquê? Onde, a justiça de Deus que a uns cura, por intercessão de tal santo ou tal santa, e a outros deixa doentes e a morrer, sem apelo nem agravo? Aquele “milagre” só teria alguma credibilidade se esta estatística – a dos fracassos divinos! – fosse feita e fossem analisadas as causas do mesmo fracasso... É: na flagrante injustiça divina, reside a impossibilidade de haver milagres deste tipo. Deste tipo e, certamente, de qualquer outro! E só não vê isto quem obstinadamente não quer ver. Aliás, já o próprio JC o disse aqui, narrando a saga da sua vida: os supostos milagres que lhe são atribuídos pelos evangelhos são impossíveis pelo que representariam de injustiça divina, ao curar uns e não curar os outros, ao ressuscitar uns – aquela do seu amigo Lázaro é exemplar! – e não os outros.
Mas, como é nos supostos milagres de JC que está assente toda a base da Fé cristã, não admiti-los nem alimentá-los, somando-lhes os milagres dos santos, seria desmoronar os alicerces da própria Igreja. E isto, para já, não é possível...
Portanto, os milagres que vêm narrados na Bíblia foram todos fantasiados pelos escritores que a escreveram: no AT, para darem credibilidade aos estrategas do povo judeu (Moisés e a sua vara que bate na rocha e faz nascer água ou que, lançada ao chão, se transforma em serpente, o maná do deserto, o Sol parando para que Josué ganhasse a batalha, etc.) ou aos seus profetas (Elias, por exemplo, que, depois de morto, ressuscita outro morto que, por acaso, é colocado na mesma sepultura onde estava aquele jazendo...); no NT, obviamente, para cristificar Jesus e torná-lo, com alguma credibilidade, Filho de Deus, ou Deus feito homem, não passando de uma mentira para justificar outra mentira; mais suavemente, uma fantasia para justificar outra fantasia...
E ainda: um ou dois supostos milagres são suficientes para darem o santo ou a santa como tal, isto é, como estando no Céu junto de Deus? Para haver alguma credibilidade seriam necessários muitos mais; é como na Ciência, o método experimental: para se afirmar, com rigor, alguma verdade, há que testá-la muitíssimas vezes. E, mesmo assim, a Ciência está sempre disponível para aceitar outra Verdade que, entretanto, for descoberta e vier destronar a primeira. É o caso, por exemplo, das dúvidas sobre o Big Bang. O método eclesiástico-religioso, já de si fraudulento, torna-se assim totalmente inacreditável. Só mesmo pela Fé, melhor dito, pelo engano a que são levados os crentes.
Resta a clássica pergunta, já que, sem milagres, nenhuma religião subsistiria: “Adiantaria ao Mundo, no seu estado de total selvajaria em que se encontra, devido à completa desregulação, a nível global, do sistema económico-financeiro que elegeu o dinheiro como prioridade e não o Homem, pondo este ao serviço daquele e não o contrário..., adiantaria ao Mundo actual que as religiões se desmoronassem, pela sua inveracidade, mentira ou fantasia?” Não sabemos responder; mas, já que as religiões não são capazes de tornar o mundo melhor, sendo, pelo contrário, muitas vezes elas focos de guerras e mortandades de toda a espécie, pondo irmãos contra irmãos e inventando inimigos inexistentes..., seria interessante ver como funcionaria um mundo sem religiões. Muito interessante mesmo!