sexta-feira, 26 de julho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (36/?)


    – A alma, esperas que suba ao Céu que apregoas, para junto de Deus a quem chamas Pai. Mas... que certezas te levam a pensar que assim será?
    – Nenhumas, Nicodemos. Simplesmente não tenho alternativas; tal como tu, tal como todo aquele que tiver pensamentos e desejos de vida eterna.
    – De qualquer modo, parece-me que foi pena não te teres ficado pelo teu amor ao próximo, pelo teu dar a outra face, o teu amor ao inimigo. Terias sido um incompreendido, mas não terias posto em risco a própria vida.
    – A minha vida... para que raio quero eu a minha vida? É que não me contive perante a corrupção que alimenta os ricos fariseus, o descaramento dos sumos sacerdotes que se servem do Templo para explorar os pobres e as viúvas, o despudor dos doutores da Lei que impõem a Lei aos outros mas não a aplicam a si próprios. Em nome desses, eu dou a minha vida! Só não gostaria que a minha mensagem se perdesse, que o meu testemunho fosse esquecido, que a minha vida tivesse sido em vão como em vão são quase todas as dos que apenas se preocupam com as riquezas e as vaidades deste Mundo.
    – Deixa, Jesus. Por esse lado, podes morrer em paz com a tua alma. Depois da tua morte, eu e o meu amigo João, o sacerdote, mais do que preservar a tua mensagem, encarregar-nos-emos de fazer da tua fantasia de vida eterna a tal verdade para ser acreditada por muitos, fazer de ti o Messias, o Filho do Homem, o Filho de Deus. Muitos então acreditarão em ti e nem verão que mesmo com toda a fé de que forem capazes não conseguem mover as montanhas que afirmaste eles poderem mover, sentindo-se sempre culpados por tal incapacidade...
   – Ah, que ideia tão... tão... tão fantástica, amigo! Realmente sinto que a minha vida está por um fio! Amanhã, será certamente o meu último dia. É que falta pouco para a Páscoa e eles não quererão que perturbe as festas. Por isso... Mas antes, gostaria de celebrar a Páscoa com todos os que me amam, ter uma última ceia para comemorar a vinda do Reino e ser lembrado por todos enquanto de mim houver memória. Tu, se puderes aparecer, serás um convidado especial!
    – Um convidado especial! Como poderei recusar?... Bem, são horas de partir. Ver-nos-emos amanhã., nessa tua ceia a que chamas de última. Mas...
    – Mas não tens vontade de te ir. Sentes-te de mãos vazias, de ideias perdidas, frustrado nas incertezas das esperanças que em mim depositaste. E sentes que, perdendo-me, perdes a tua última, a tua única oportunidade de saber o que nos está reservado no Além... Acredita que também a mim tal desconhecimento me enche a alma de profunda tristeza. Uma tristeza de morte. Por mim, por ti, por todos os Homens...
    – Ah,... e eu que te daria todo o meu dinheiro, toda a minha riqueza se em troca me pudesses dar a certeza absoluta da vida eterna! Aliás, o meu pai está moribundo. Que lhe adiantou toda a riqueza que acumulou e me vai deixar? E a mim, quando a minha hora chegar, de que me aproveitará ela também? Raciocinando como o insensato da Sabedoria, ser-me-á útil e servir-me-á de prazer enquanto esta luz brilhar nos meus olhos. Depois, quando a luz se apagar...

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (35/?)


    – Compreendo que queiras ser simpático para com os pobres, os deserdados da sorte neste mundo, condenando os ricos. Mas cometes dois erros: primeiro, ao aliciares os pobres com a mira no Céu na outra vida, eles vão conformar-se com a sua situação na Terra, não procurando riqueza valorizando os seus talentos, nem se revoltando contra a escravidão e exploração de que são vítimas; segundo, ao meteres todos os ricos no mesmo saco, mandando-os a todos para o Inferno, tornas-te a seus olhos incoerente, pois tu mesmo bem gostas de comer e beber com eles, acusando-te alguns de comilão e beberrão...
    – Às vezes, Nicodemos, é preciso tocar os extremos, exagerar até aos limites para que sejamos ouvidos apesar de criticados. Realmente é aos pobres que é necessário dar a esperança de uma vida melhor, uma vida fantástica, vida de sonho num qualquer Paraíso. E como neste mundo muito dificilmente lhes é possível tal vida, eu não tinha alternativa senão “dar-lha” no outro... Entendes agora?
    – És um génio, Jesus! Embora um génio enganador, perigosamente enganador! Creio que para todos: ricos e pobres. É que não salvas nem uns nem outros. Bem prefiro a essa tua descarada mentira de uma vida eterna no Céu, o teu amor ao próximo, o dar a outra face, o amar os inimigos, a fraternidade universal entre todos os Homens!
    – Permite-me que discorde de ti, amigo. Eu não minto: eu crio sonhos. Para os deserdados da sorte, todos os que sofrem, os que nada têm ou àqueles a quem tudo é roubado, nada mais resta senão o sonho. E isso é bom, é muito bom! Que importa que tal não seja verdadeiro? Aliás, nunca o saberão, pois todo o real, todo o sonho acaba com a morte. Mas o sonho que eu lhes dei permitiu-lhes terem a melhor vida possível na Terra, pensando que, um dia, iriam ser felizes para sempre no... Céu. Isto também é ser fraterno, ser humano...
    – Não sei se te louve se te condene. Aliás, não percebo porque não te contiveste perante a corrupção que grassava no Templo nem poupaste as autoridades religiosas instituídas, chamando-lhes todos aqueles lindos nomes que assanham qualquer pacato ânimo que esteja no mesmo barco, cavando ou antecipando assim a tua morte.
    – Não importa, Nicodemos, não importa a minha morte! Sei que vou morrer. Sei que me vão condenar, inventando coisas contra mim. Eles têm muito poder e facilmente convencerão o procurador de que sou um agitador como João Baptista e encontrarão qualquer outro crime para me condenarem. Estão feridos no seu orgulho e, a mim, ferir-me-ão de morte. Mas não me importa. Não sei se sou o Messias ou não, se sou o Filho do Homem que tantas vezes afirmei ser, se sou filho predilecto de Deus, a quem chamo de Pai que está nos Céus. Mas sei que travei um glorioso combate, que lutei contra um reino de corrupção e de trevas, o reino de Satanás, e que trouxe ao mundo uma mensagem de amor e não de ódio. De qualquer modo, creio sinceramente que não falta muito para o fim. O fim dos tempos, Nicodemos! O fim de tudo, a vinda do Filho do Homem e o Juízo Final. Como disse às multidões, esta vida realmente não importa. E eu não tenho medo: eles só me poderão matar o corpo, pois a alma...

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (34/?)

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (34/?)

    – A tua fé! Tão bonita e agradável ao ouvido, mas tão irracional e sem bases que a sustentem! Ela irá estar sempre presente nesta minha conversa contigo. Diz-me agora: O que é ser justo e bom?
    – Então, o teu servo Levi não te referiu as minhas respostas quer ao jovem que me perguntou o que deveria fazer para alcançar a vida eterna, quer ao fariseu que me questionou sobre o maior mandamento?
    – Claro que referiu. E se os mandamentos até são fáceis de entender, já não se percebe bem o que é isso de vender tudo o que se tem para ser perfeito, nem o que será realmente amar a Deus com toda a alma, todo o coração, todo o entendimento.
    – Tão simples como isto: se te desprenderes de tudo o que é terreno, mais fácil te é amares o próximo como a ti mesmo. Pois amar o próximo como a ti mesmo é, afinal, o grande mandamento, o único mandamento, no qual se inclui amar a Deus sobre todas as coisas, já que Deus está no próximo ou o próximo é o teu Deus.
    – Certo, Jesus! Totalmente certo! Um pouco da filosofia de Buda, que em tempos aprendeste lá pelo Oriente, transformada em religião, não é? Mas...
    – Mas faltam-te as provas irrefutáveis, provas evidentes, provas claras, sem subterfúgios de palavras, parábolas ou comparações, provas de que a vida na Terra não se acaba mesmo aqui, como diz o insensato no Livro da Sabedoria, acrescentando que se viemos do pó, ao pó voltaremos e, depois, é como se nunca tivéssemos existido, nenhum dos que morreram tendo vindo cá dar testemunho do que se passa no Além, Céu ou Inferno que seja.
    – Lês-me os pensamentos, Jesus! És eloquente! Entendes-me e ouves o meu coração como se para ti não houvesse paredes entre a minha e a tua carne.
    – Eu leio em ti aquilo que leio em mim, Nicodemos. No fundo, as tuas dúvidas são as minhas dúvidas, as tuas frustrações as minhas frustrações! Mas ouve-me bem: eu quis trazer uma nova mensagem, passar além do Livro da Sabedoria onde me inspirei. Toda a Escritura, sempre apregoando Javé, sempre louvando-O, temendo-O, invocando-O, não nos dá o mais importante: a vida eterna que eu, que tu procuras. Pelo contrário, parece não ter passado do «Tu és pó e ao pó voltarás». Em tudo quanto aprendi na Índia, na China, em todo o Extremo Oriente ou aqui mais perto de nós, no sábio Egipto e na Mesopotâmia, não tendo consultado nem Atenas nem Roma, só vi uma maneira de ultrapassar o dilema da morte ou morte para sempre: pegar na imortalidade da Sabedoria, pegar na ressurreição dos Macabeus, tornar-me filho de Deus, Filho do Homem, o mesmo é dizer, o Messias, apelando, primeiro, para a restauração das doze tribos de Israel para que me ouvissem, usar de todo o meu poder e magia para curar os doentes possíveis, apelar para o meu Pai do Céu que me enviou com esta missão e esta mensagem: anunciar a vinda do Reino de Deus, aproveitando este sentir generalizado do fim dos tempos para continuar a apregoar o medo de uma catástrofe universal, na linha de João Baptista, inventando um Inferno para os ímpios, corruptos e maus... e, com tudo isto, abrir as portas do Céu aos bons e justos desta Terra, sobretudo os pobres, os desgraçados, os explorados, os incompreendidos, os doentes, os que sofrem, metendo todos os outros nas profundezas dos Infernos, no reino de Satanás. Compreendes?

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (33/?)

A vida adulta – VIII
O dramático encontro com Nicodemos
    Um dia, sentindo-me estar já próximo do fim, ao entrar em casa de Maria Madalena, cabisbaixo, meditabundo, cansado das muitas pregações fora e dentro do Templo, necessitando mais que nunca do repouso dos justos, tinha uma visita esperando-me: Nicodemos.
    Quando me viu entrar, levantou-se. Eu saudei-o:
    – Ao que vens, amigo Nicodemos? Deves estar muito zangado comigo por ter falado contra os da tua classe daquele modo tão desabrido mas sincero. Se achas que não tenho razão no que disse, fala! Terei muito gosto em ouvir-te.
    Ele hesitou. Poderia aproveitar a ocasião para um protesto, mas certamente pensou que, se nem todos, pelo menos muitos dos fariseus bem mereceriam o Inferno pela vida escandalosa que levavam, pela exploração que impunham ao povo inculto. Quanto a si, não quereria ser juiz em causa própria. Então, o seu bom senso prevaleceu e respondeu cordatamente:
    – Prefiro ocupar-me do que é essencial para a vida e não de trivialidades. Desculpa o meu pouco apreço pelas tuas invectivas contra a classe a que pertenço. É que outro assunto bem mais relevante, bem mais importante, o único assunto que deveria ocupar as nossas mentes, as mentes de todos os Homens, certamente também a tua, me interessa discutir contigo, talvez propor-to até como um negócio.
    Fiquei curioso. Mas, logo me lembrando daquilo que já na juventude, e mais recentemente ao iniciar a minha vida pública, me propusera que descobrisse, adiantei-me:
    – Já sei: a tua vida eterna! E fizeste bem em vir procurar-me antes que parta para o meu Pai que me enviou. O fim dos tempos vai chegar em breve, mas o meu, esse chegará ainda mais depressa! E é como dizes: a vida eterna no Céu é sem dúvida a única coisa que deverá, que deveria interessar o Homem nesta vida terrena. Em boa verdade, eu não tenho pregado outra coisa a não ser aquilo que procuras.
     – Acertaste, Jesus. Tu não tens falado de outra coisa: vida eterna no Céu para os justos, vida eterna no Inferno para os insensatos, tal como aprendeste no Livro da Sabedoria, embora seja livro que não pertence ao nosso cânone. Lembras-te de me teres recomendado também a sua leitura?
    – Claro! Aos nossos também não pertence o livro do profeta Daniel, mas foi nele que me inspirei para, tal como João Baptista, apregoar o fim dos tempos que se aproxima. Todos os sinais indicam que a seara está pronta para a colheita, Nicodemos. O Senhor não tardará a mandar trabalhadores para a sua seara. E quem estiver preparado...
    – És inexcedível em comparações, prolixo em parábolas, Jesus! Um autêntico mestre! Mas...
    – Mas não entendes o outro lado da vida, não é?
    – Isso mesmo: o outro lado da vida! Eu tenho-te acompanhado à distância, mandando o meu servo Levi escutar-te, ouvir-te, ver as curas que realizas... Mas em tudo o que disseste e falaste acerca do Filho do Homem, do Messias, do teu Pai que está no Céu, do Reino de Deus que vieste trazer à Terra, enfim, da vida eterna nesse Céu junto de teu Pai para os justos e no Inferno para os insensatos, de tudo isso, perdoa que te diga, nada me ficou de certeza. Apenas afirmações como as do autor do Livro da Sabedoria. Afirmações que não provas... E as tuas curas extraordinárias nada têm de realmente divino. Apenas revelam que és um excelente curandeiro com imensas capacidades de convencimento, apelando para a fé das pessoas nas suas próprias potencialidades de cura. Ou não é assim?
    – É como dizes, Nicodemos, é como dizes! Ah, a fé! A fé de arrasar montanhas! A fé que podes usar para dizer a esta montanha: “Vai lançar-te no mar!” e ela vai, essa fé é a que eu prego. E é essa fé que eu quero apresentar aos Homens não para se curarem de doenças terrenais, pois esta vida não pode durar sempre, mas para acreditarem na vida eterna no Céu, se forem justos e bons, aqui na Terra.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (32/?)

 
A vida adulta
VII
O cumprimento de um preceito
    No entanto, já em tempos de Primavera, num desses dias fervilhando de apelo aos sentidos, chegando eu, em fim de tarde, cansado de mais uma caminhada na minha pregação do Reino de Deus e do Fim dos Tempos, apresentou-se Madalena mais meiga, mais doce, mais sensual no trajar, para que eu não ousasse recusar oferta tão sedutora, cansada que estava de um amor platónico sem aquele contacto físico que dá real significado a uma vivência a dois. Pressentia que talvez eu não quisesse comprometer-me, constituir família com a tradicional mulher e os tradicionais filhos, para melhor poder dedicar-me à missão que pensava ter recebido de Javé-Deus. Mas isso não impediria que a aproximação entre nós fosse mais física, mais humana sem deixar de ser divina... Por isso, decidiu abertamente, ousadamente, ofertar-se, tentando que eu, como bom judeu, não desobedecesse à Tradição que “obrigava” todos os filhos de Israel a procurar mulher para com ela frutificar. Eu, perante tão ousada e ridente oferta, não me contive que não dissesse, sorrindo:
     − És um encanto, Maria! Tu és o meu encanto! Mas maior que esta missão na Terra que todo o homem tem obrigação de cumprir, obedecendo ao apelo do Génesis, é a missão que meu Pai que está nos Céus me confiou. Pensa que não serei o melhor marido para ti se é para isso que me queres. Além de que, embora nem a meio esteja da missão de anunciar o Reino de Deus, já vejo o horizonte carregado de nuvens negras anunciando-me o aproximar-se do fim.
    A Maria Madalena souberam a mel as palavras que saíram da minha boca e, inspirada, romântica, cordata, respondeu:
     − Só te quero a ti, meu Jesus. Só quero ser tua no corpo e na alma, na forma que mais te aprouver, enquanto houver tempo para nós.
    E entregou-se. E eu recebi-a. Maria seria para mim apenas o regaço onde repousaria a cabeça ao fim do dia, corpo onde colmatasse naturais desejos próprios de qualquer homem na flor da idade. A partir daquela noite, apresentei-a aos discípulos como a minha amada, mulher que estaria sempre comigo, ouvindo-me, servindo-me, juntando-se definitivamente à comitiva de outras mulheres que já nos acompanhavam e ajudavam nas indispensáveis tarefas domésticas...
    Eles, a quem eu aconselhara a deixarem tudo para me seguirem, não ficaram nada agradados com tal decisão. E perguntavam-se, alguns expressamente, outros, mais tímidos, apenas em pensamento: “Então, nós temos de nos abster de ficar com as nossas mulheres enquanto ele se faz acompanhar de uma linda beldade de fazer inveja a qualquer homem com desejos?” Mas perdoavam-me: eu era o Mestre! Eu tinha palavras de vida eterna! Eu poderia ser a excepção!
    Esta bonita relação perduraria até ao fim: tendo esticado em demasia a corda do meu mau entendimento com escribas, fariseus e doutores da Lei, os guardiães do Templo, não evitei a condenação à morte, morte que no entanto pensava fazer parte dos planos divinos, complemento da missão que meu Pai me confiara. Mas não partiria sem antes glorificar a Casa de David ao deixar semente no ventre de Maria Madalena que daria à luz uma bela criança, estando já eu no outro lado da vida.