quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? Menino Jesus existiu? (40/?)

IX
Um final quase feliz
    Tudo o que ouviu Madalena guardou-o no seu coração, sabendo que o ódio da classe sacerdotal contra mim, revelada desde o início das minhas curas milagrosas, se tornara sem limites depois dos últimos acontecimentos no Templo e daquele meu ataque cerrado aos fariseus, doutores da Lei, anciãos, metendo-os a todos no Inferno. Como me poderiam perdoar? Então, já sem a presença de Nicodemos, veio ter comigo e disse-me, envolvendo-me de beijos o rosto cansado:
    – Hoje, meu Jesus, poderá ser a tua última noite, a nossa última noite! Será pois noite magnífica em que deixarás em mim a tua semente para que frutifique para a vida terrena em promessas da vida eterna que não te cansas de apregoar. E esse será o nosso segredo que levarás para a sepultura se, como dizes, a tua morte estiver próxima, anunciada por nuvens negras que se avolumam sobre a tua cabeça! Eu estou receptiva: a tua semente de certeza que cairá em mim como em terra boa e produzirá o teu fruto no meu ventre.
    Deixei-me levar pelo natural convite, já saboreando nostalgicamente as saudades que me trariam uma criança que eu pudesse ajudar a crescer para a vida na Terra, embora com os olhos fitos no Céu onde o meu Pai estava sentado no trono de todas as maravilhas. E, embora cansado, extenuado pelo longo dia de pregação, a longa conversa com Nicodemos, só depois do sensual mas divinal enleio, adormeci nos braços da minha amada que, de excitada, mas contendo-se para não me acordar – o dia seguinte adivinhava-se difícil para mim – não conseguiu fechar os olhos e dormir...
    Fui realmente preso, julgado e condenado como um agitador de massas e uma ameaça ao poder romano instituído, sem grande convicção embora do procurador Pôncio Pilatos que, instado pelas autoridades religiosas judaicas e pelo povo que estas manipularam, me condenou à morte e morte de cruz, dizendo a célebre frase de quem não quer assumir responsabilidades: “Eu lavo as minhas mãos do sangue deste justo que vós quisestes que eu condenasse à morte.” Para os judeus preponderantes do tempo, eu era uma ameaça aos seus privilégios de sacerdotes abastados vivendo à custa do povo, sobretudo dos pobres. Morto, não mais lhes denunciaria poderes e privilégios. Assim, invocando razões totalmente falsas, levaram o povo a gritar “Crucifica-o! Crucifica-o!”, todos se esquecendo dos inúmeros prodígios que eu realizara e da bela mensagem de amor ao próximo que lhes transmitira como vinda de Deus. O meu corpo, depositaram-no no túmulo de um conhecido José de Arimateia, perto do Gólgota onde me haviam crucificado.
    O segredo daquela noite, levado por mim com a morte para o túmulo, também o seria para Maria Madalena: morto eu, retirou-se ela para a sua casa de Magdala e aí viveu com o seu rebento, não tendo querido “comércio” com outro homem na vida. O pensamento agora de um Jesus espiritual preenchia-lhe o vazio que o Jesus físico lhe deixara de maneira tão tragicamente sofredora.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (39/?)


    – Então, serei preso e matar-me-ão. Oxalá que não seja a morte de cruz, suplício horroroso que os romanos infligem aos desordeiros políticos e aos que se revoltam contra Roma.
    – Lembra-te que disseste que eras rei, embora o teu reino não fosse deste mundo.
    – Pois é: para os meus inimigos será útil a confusão. Eu bem lhes direi que o meu reino é reino da fé, é reino de Deus e não de Homens; mas eles não entenderão nem lhes convirá entender já que desejam ardentemente a minha morte... Agora, caro Nicodemos, só queria voltar a pedir-te que, nos teus escritos, não deixasses morrer o mistério de ser eu Filho de Deus, de ser eu o Messias ou Filho do Homem, o mistério do Reino de Deus que ninguém quer entender, o mistério da minha mensagem de vida eterna no Céu junto a Deus para os justos e bons, aqueles que ouviram o meu apelo de “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, aqueles que conseguiram amar os inimigos e dar a outra face, e, obviamente, vida eterna no Inferno com Satanás para os maus e corruptos, pois talvez, por medo, se convertam ou se tornem, pelo menos, menos maus, menos corruptos... Não, não me deixes morrer, para que todos se convençam da “minha verdade” de um Filho de Deus que veio do Céu para estabelecer na Terra o Seu Reino, da “minha vida eterna”, mesmo que o fim dos tempos, como fervorosamente apregoei na linha de João Baptista, não aconteça nem nesta nem nas próximas milenares gerações... Serás como que o meu continuador para além dos meus discípulos que não sei se não se dispersarão com a minha morte.
    – Claro que – já to prometi – não te deixarei morrer! Mas..., mas então, não estás assim tão convencido do fim dos tempos e da vinda iminente do Filho do Homem a julgar os vivos e os mortos num Juízo Final como apregoaste ainda não há muitos dias, junto ao Templo?!
    – Não, não estou convencido. Ou plenamente convencido. Mas pensei ser óptima ideia de João que levaria muitos ao arrependimento e à aceitação da minha mensagem. Por isso, não hesitei em adoptá-la como minha.
    – Não há dúvida: és realmente um génio! O medo sempre foi a melhor arma de que os nossos estrategas e políticos de todos os tempos, como nos revelam as Escrituras, lançaram mão para manterem na ordem e no temor de Javé o povo de cabeça dura que hoje perdura como herança das doze tribos de Israel. Sempre elegendo Javé como ditador de tais ordens. Mesmo de guerras. Mesmo de massacres de populações inteiras... Pena é que também muitos ricos e senhores da Terra, não te acreditando nem temendo os teus Infernos, se vão aproveitar da religião para aumentarem as suas riquezas, sem que os pobres e oprimidos se revoltem e exijam os seus direitos. A começar pelos sacerdotes, os primeiros parasitas da sociedade a beneficiarem dela: limitam-se a pregar, a explicar o inexplicável, a exorcizar, sempre bem alimentados pelo dízimo, sem conspurcarem as mãos em trabalhos de cavar, de semear ou de colher!... Mas queria dizer-te que, para não deixar morrer, com a tua morte, esse teu carisma de Cristo, de Messias, de Filho de Deus que veio trazer aos Homens a esperança na vida eterna para os que acreditarem em ti, contratei o meu escriba Mateus, mestre em lendas e narrativas, a quem darei o caderno de notas que o meu servo Levi andou recolhendo, acompanhando-te durante as tuas pregações, compilando os teus ensinamentos. Mas Mateus não se limitará a narrar de forma mais bela tais apontamentos: dar-lhes-á conteúdo divino, indo buscar aos mitos antigos, sobretudo aos dos deuses solares, um nascimento fantástico, começando logo por te fazer nascer de uma virgem, e cheio de maravilhas como convém a um deus ou um filho de Deus; depois, muitos milagres, fazendo-te mesmo ressuscitar mortos, multiplicar pães e peixes para alimentar multidões famintas, como os nossos antepassados das Escrituras inventaram acerca de Moisés que pediu a Javé o milagre do maná no deserto, acontecendo tal maravilha todos os dias durante quarenta anos; sem falar, claro, nas muitas curas de cegos e paralíticos e endemoninhados com que maravilhaste tantas vezes as multidões; irá buscar as profecias messiânicas das Escrituras aplicando-as a ti; fará acompanhar a tua morte de fenómenos extraordinários e, depois, tendo nós roubado o teu corpo do sepulcro, ele dirá exactamente o contrário, que alguém o queria roubar, obrigando o procurador a guardar a sepultura com soldados. Então, diremos que ressuscitaste, como ressuscitavam os deuses solares dos antepassados mesopotâmicos, egípcios e caldeus. A primeira a “ver-te” será Maria Madalena e ela anunciará a todos a tua ressurreição e todos, a começar pelos teus discípulos que sabem em quanta consideração tens esta mulher, acreditarão nela e espalharão a “Boa Nova” por toda a comunidade nascente, comunidade que se chamará cristã, por te seguirem como o Cristo, o Enviado de Deus.
    – Tudo muito bonito! Excelente! Só que dessa minha origem divina é que será mais difícil convencer as gentes, pois...
    – João, o sacerdote, é homem de muita cultura e de boa escrita. Ele tratará de te colocar no Céu, falará da tua vivência com o Pai, com Deus, de quem te fará Filho único e verdadeiro mas em tudo igual ao Pai, para que com o Pai sejas um só e não dois deuses diferentes. Entendes?
    – Fantástico! Tendes a receita perfeita para convencer o mundo! E eu terei cumprido plenamente a minha missão na Terra. Se houver recompensa eterna, de certeza que a ganharei. Vós também, por acréscimo. Os outros, todos os outros, toda a humanidade futura se a quiser ter, tal como nós, que acredite, que tenha fé, a fé de arrasar montanhas!
    – Como gosto de te ouvir, Jesus! Quem dera que essa vida eterna não fosse apenas da tua fantasia, mas fosse real e verdadeira, não fosse apenas da fé! Quem dera!
    – Olha, Nicodemos, com toda a comoção na alma te digo: acredita! A fé é a única solução que nos resta...
    – És um adorável incorrigível, Jesus! Adeus!
    – Adeus, até... à eternidade!
    – Junto de Deus, obviamente...
    – Junto do meu Pai que está nos Céus!...
    Despedimo-nos com um beijo de amizade, olhando-nos longamente nos olhos, mãos nos ombros de um e de outro, ambos sorrindo displicentemente de tanta fantasia que gostaríamos de transformar em realidade, mas totalmente convencidos de que, em tempo algum, tal fenómeno, tão desejado, mas tão bizarro fenómeno, pudesse acontecer...
    Madalena ausentara-se para a cozinha, deixando no entanto entreaberta a porta do salão, certamente para ouvir, curiosa, a nossa douta conversa...

domingo, 11 de agosto de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (38/?)

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (38/?)

    – Comoves-me, Nicodemos! As lágrimas correm-me pelas faces de impotência de satisfazer o teu pedido. Não que quisesse o teu dinheiro, pois para quê o dinheiro se, como creio, o fim dos tempos se aproxima, se o jugo romano continuará a calcar-nos aos pés não sabemos por quantas gerações, se restaurar as doze tribos de Israel é missão quase ou mesmo impossível, se dinheiro é sinónimo de escravidão? Simplesmente porque, se conseguisse dar-te a certeza da vida eterna que em mim vieste procurar, também a teria para mim e para os que, acreditando, me seguiram. Mas realmente, não te posso dar certezas, não posso dar certezas a ninguém a não ser as da Fé. E quem tiver fé salvar-se-á; quem a não tiver já estará condenado.
    – Voltas a repetir-te, a repetir o Livro da Sabedoria.
    – Pouco importa o que repita, Nicodemos! Mas sinto em mim um ímpeto incontrolável de continuar a apregoar, até ao fim dos meus dias, que quem acreditar em mim terá a vida eterna. E para que sejam muitos, seja multidão os que acreditam, continuarei a apregoar-me como o Filho do Homem, o Messias, o Filho de Deus, a quem chamo “o meu Pai que está no Céu”, rei de um Reino de Deus que se instaurará no seio do povo de Israel, povo que aceitará a conversão para ter a salvação no Juízo Final em que eu, sentado à direita de meu Pai, participarei, encarregando-me de chamar para a vida eterna no Céu os justos, os eleitos, os que acreditaram, enviando para o Inferno todos os corruptos e exploradores do povo pobre e humilde. Só assim, conseguirei que muitos acreditem em mim e na minha mensagem. Esta a minha missão. Esta a missão de que meu Pai me incumbiu e de que terei de dar contas quando for a julgamento. Se não me tornar divino quem me acreditará? E como as obras que faço dão testemunho de que estou com Deus...
    A estas minhas inflamadas e repetitivas palavras, Nicodemos não se conteve e, quase se exaltando, desabafou:
    – Tresloucaste, Jesus! Falas como um alucinado e não como um homem de razão! Dizes estar com Deus, mas apregoas uma falsidade, uma descarada e colossal mentira!...
    E eu, facilmente argumentando:
    – Mas, ó homem, é uma falsidade, uma mentira, se quiseres, por uma boa causa! Não prejudica ninguém. Se dissesse a Verdade, a verdade de que estou convencido, seria igual a ti, igual a tantos outros que nada de novo trouxeram ao mundo, pois sem qualquer esperança de imortalidade.
    – Talvez tenhas razão. Infelizmente para mim, eu não consigo aceitar senão a Verdade, a verdade do insensato do Livro da Sabedoria. E vais partir sem teres dado qualquer luz às minhas esperanças, já que os teus dias parecem estar a chegar ao fim...
    – Sim: não creio passar além da Páscoa. Ir-me-ão acusar, irão virar contra mim até as multidões que me aclamaram quando entrei em Jerusalém, e exigirão a minha morte como um impostor, um agitador, um mentiroso. Afinal, com alguma razão: nem o fim dos tempos chegou nem restaurei o reino de Israel, e o meu Reino de Deus parecerá a muitos carregado de incerteza e de mistério, não passando além da fé.
    – Fé que para muitos, sobretudo para os helenizados, é muito pouco ou... nada!

sábado, 3 de agosto de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (37/?)

    – Desculpa-me, Nicodemos! E, em ti, peço desculpa a quantos ludibriei, apelando para a sua fé em realidades que eu sei inexistentes, mas que são tão convidativas, tão apelativas ao desejo e ao sonho... Nisso, fiz o meu melhor! E quem acreditar em mim, quem acreditar na minha mensagem e no meu Reino, terá uma vida boa na Terra, porque ajudar-se-á a ser feliz, participando no amor ao próximo se tiver riqueza para partilhar, ou usufruindo da partilha de outros por se sentir em necessidade; depois, terá, em imaginação, no sonho, na fantasia, a eternidade em que acreditar, no tal Céu com Deus e os seus anjos, nos seus tronos, nos seus cantos sem cessar em melodias de perene encantamento. Por toda a eternidade! E perguntar-te-ia mais uma vez: “Que mal faz pensar que isto será a Verdade? Porque não viver da fantasia que é a única realidade que certamente não nos fará desesperar já que, como diz a Sabedoria, nenhum dos tantos que já se foram antes de nós, ou dos muitos que estão partindo neste momento, ou em breve irão partir, como o teu pai, veio ou virá cá dizer-nos o que realmente se passa lá do outro lado?” Como nenhum deles veio, nem vem, nem virá, é totalmente certo que o insensato da Sabedoria tem razão: eles apenas voltaram ao pó donde vieram e o pó não pode trazer outra mensagem senão a do pó em que nos tornaremos. Eles, nós, todo aquele que nascer do pó! Mas é bom, será bom acreditar: ganha-se a simpatia e a leveza da vida nesta Terra e, de certeza, se a houver, ganhar-se-á também a vida eterna no Céu. O teu dinheiro, guarda-o ou faz como eu disse ao jovem: Se quiseres ser perfeito... O Reino que eu prego não é realmente deste mundo: é do outro, quer ele exista quer não. Se quiseres, não o outro, mas outro mundo. E nesse mundo, tudo se pode conceber, imaginar, fantasiar: o Céu com tudo o que há de bom e de belo para os justos, o Inferno com tudo o que há de feio e mau para os insensatos e prevaricadores. É por isso que eu digo, sem faltar à verdade, que quem acreditar em mim acredita no Pai que me enviou e fará parte do Reino que, embora não sabendo ao certo se existe ou não, gostaria com toda a alma que fosse verdadeiro. Verdadeiro, primeiro, para mim, depois, para todo o ser humano que teve a dita de ter vindo à luz do dia e da... vida!
    – Falas bem, Jesus! Entendemo-nos! Obrigado! Se deste o teu melhor... Mas que pena que o teu melhor não tenha sido a “outra” realidade e tenhas sido, afinal, “obrigado” a pregar um mundo eterno de fantasia! Pregaste aquilo que gostarias que fosse, aquilo que todo o Homem gostaria que fosse mas... não é! Ou tudo leva a crer que não seja!... Realmente, com toda a minha fortuna poderias construir uma nova Israel, um novo reino, restaurar as doze tribos perdidas na História, desde o primogénito de Jacob, Rúben, até ao mais novo, Benjamim. Não certamente um reino da pólis, pois não terias exército capaz de derrubar o vil usurpador da nossa liberdade, nem serias capaz de nos libertar desta pata romana que nos esmaga com impostos. Teria de ser um reino apenas de religião, em que tu, sendo rei, implorasses o auxílio de Javé, como antigamente, para venceres o inimigo não pela força que não tinhas mas pela astúcia, guiado pela mão de Deus, o braço forte de Javé que protegeria o seu povo contra o inimigo. Talvez, por agora, e para não tentar o poder e a paciência divinos, apenas um reino em que as doze tribos estivessem representadas pelos seus sumos sacerdotes e doutores da Lei, nos quatro cantos de Israel, divididos a contento por todas elas. Ser-te-ia possível? Não foi isso que querias dizer aos teus discípulos, quando lhes disseste que no Céu seriam eles a sentarem-se em doze tronos e a julgarem as doze tribos de Israel? E certamente foi tal reino da pólis ou do mundo aquele que a mãe dos filhos de Zebedeu te veio pedir quando quis que sentasses um dos filhos à tua direita e outro à tua esquerda... Era, Jesus! Eu dava-te de boa vontade toda a minha fortuna em troca da vida eterna que me prometesses em algum lugar lá no Alto, em troca do tesouro de que falaste e ao qual comparaste o Reino do Céu que nunca percebi bem o que era. E esse seria o meu tesouro, o tesouro que valeria todo o ouro do mundo!