segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Aquando do meu adeus à vida

Amanhã, “it’s a special day! My birthday!” 70 anos!...
“Quem já muito andou pouco ou nada tem para andar!” É: o fim irá chegar. Mais cedo ou mais tarde, irá chegar. Inexoravelmente! Como inexoravelmente, o tempo não pára e não há manhã que persista nem tarde que não se acabe...
E, antes que a “voz” se me cale para sempre, a morte me surpreendendo descuidado, eis o que gostaria de deixar como epitáfio de uma vida que foi e... se foi:
«Adeus! Adeus, até àquela eternidade que, queiramos ou não, nos assistirá a todos: a transformação em átomos e moléculas de matéria, matéria que se manterá pedra ou entrará no ciclo da vida de um outro ser vivente qualquer, seja animal, seja planta. Mas nós – eu, tu ele – nós, com esta individualidade que temos – melhor, tivemos! – essa não existirá mais. A razão é tão mais que simples: pertencemos ao Tempo, aparecemos no Tempo, vivemos um tempo, integrando-nos no princípio universal da matéria de que “tudo o que tem um princípio, tem inexoravelmente um fim associado”. Embora, nada se perdendo, tudo se transformando... Então, como poderíamos ser a excepção? Quem quiser acreditar noutra hipótese, que acredite ou tenha a presunção e a vaidade de acreditar; mas não passará, nunca passará de simples, ingénua etérea crença...
Ora, pois, sendo assim, que me resta dizer, nesta hora de adeus à vida? – Simplesmente, que foi bom, foi muito bom, foi privilégio que não foi concedido a milhares de milhões de outros seres humanos que ficaram e ficarão para sempre na hipótese de ser... Eu... fui! Que bom! Houve sofrimentos? – Claro que houve? Frustrações? – Quantas, santo Deus! Desilusões e arrependimentos de atitudes tomadas? – Também! Mas tudo foi vida! E fui inteligente quanto bastou para me agarrar mais aos gostinhos dela do que aos seus desaires ou sofrimentos, embora leve comigo a frustração, nesta hora de despedida, de não ter conseguido com que alguns dos que me rodearam jogassem comigo o jogo do só positivo, do só alegria, do só sorriso, criando tantas vezes momentos de suprema infelicidade, arruinando nervos e avolumando rugas no rosto, por ninharias sem importância nenhuma. Que perda de vida, santo Deus! Que perda de vida!
Então, que mensagem deixar aos que de mim tiveram conhecimento e por cá ficarão mais uns tempos, até chegar a sua hora de partir? – A grande mensagem será: VIVAM AO MÁXIMO A VIDA, VIDA EM QUE CADA MOMENTO É ÚNICO E IRREPETÍVEL! VALORIZEM TUDO O QUE É POSITIVO! QUE O NEGATIVO OU ERROS SIRVAM APENAS PARA MELHOR VIVER A OUTRA PARTE. E SORRIR! SORRIR SEMPRE MESMO QUE A VOZ, POR DENTRO, DOA, DOA MUITO, MUITO!!!»
E flores? Não há flores a enfeitar teu caixão? – Oh, não! Pese embora o desemprego das floristas, se a moda pega, de flores, apenas uma rosa devidamente humedecida para durar muito para além do ali jazer em cima do meu caixão, nas mãos ou na mesa de quem me for mais próximo. É que flores, ramos de flores, dão-se em vida para homenagear ou mostrar carinho, amor, afecto. Depois, para que raio quer um morto o seu caixão enfeitado de flores, flores que morrerão logo que desça à cova escura, ou enfrente as labaredas da cremação, e o Sol as cosa no cemitério?... E caixão, apenas isso: caixa grande onde eu caiba, sem cruz nem adornos; nem por fora nem por dentro; simples caixote de pinho não pintado, cheirando a resina. Pois, tal como as flores, para que raio quer um morto um caixão de oiro? Portanto, nem flores nem caixão doirado...
E um Requiem, por exemplo, o fantástico livrete de Mozart? – Ná! Requiem também não! Nada há para chorar. Cante-se e dance-se! Não porque uma vida se foi, mas porque milhões, biliões de outras continuam, obviamente, as dos presentes. Então, cantem-se essas com Aleluias, o Aleluia de Haendell, por exemplo, ou Hinos à alegria, como o de Beethoven. Ali, mesmo ali, em frente de um morto que, afinal, apenas representa uma vida que se foi...
Então, não há lugar a lágrimas? – Não! Por favor, não chorem sobre o meu caixão, nem façam caras tristes, nem se vistam de negro e outras coisas assim. Lágrimas só para mostrar alegria, comoção, enternecimento. Chorar ali é tempo de vida perdido... Mas quem não conseguir suster as lágrimas, deixe-as correr à vontade. Afinal, uma morte é um momento de despedida e toda a despedida apela à comoção e ao sentimento, àquela saudade que tanto nos aperta o peito...
Enfim, faltam as cinzas. Que faremos delas? – Se não puder ser no mesmo dia, agende-se um outro qualquer para ir até ao rio ou até ao mar e lançá-las à água corrente ou marulhante. Assim, mais facilmente se espalham pela Natureza, moléculas de moléculas que um dia da Natureza vieram e a ela tiveram de regressar impreterivelmente. O Destino implacável, inexorável! Claro, tudo em tom de festa, com música a gosto que até pode ser romântica com violinos ou oboés, cortando os ares...
Vivo agora – melhor, vivi agora! – nesta época fantástica em que de tanto Conhecimento e Ciência já somos capazes. Porquê, então, não ser realista e, mesmo na hora da morte, ver o lado positivo dela? Não foi uma sorte ter vivido? – Pois então, aplauda-se essa sorte e deixemo-nos de lamúrias, lágrimas ou lamentações! O IMPORTANTE É O SORRISO!
Ah, falta a missa, com padre a abençoar os restos mortais e a encomendar a alma do defunto ao Deus Criador! – Não! Por favor, missa também não! É que a religião, ela própria inventada por homens, inventou um Deus inexistente, um Céu inexistente, anjos e santos inexistentes, um Inferno e os seus demónios inexistentes, uma própria alma humana inexistente, uma eternidade ou uma imortalidade inexistentes... Tudo impossíveis, tudo inexistentes pela magna – ou simples?!!! – razão de que tudo pertence ao Tempo e o que é do Tempo não pode ser nem imortal nem eterno. Imortal e eterno só o Deus Infinito – que não é o das religiões! – o Deus que é o TUDO existente, o TUDO onde tudo se integra. O Tempo e tudo o que pertence ao Tempo, também, obviamente.
E tenho dito! Adeus! Adeus, até sempre, mesmo que esse sempre não exista nunca mais porque tudo foi... um dia! Num dado momento do Tempo!...

PS (imprescindível):
Ah, afinal, faltou a magna, talvez a mais importante resposta à pertinente pergunta: “Valeu teres vivido? Tu valeste a pena?” E não tenho dúvidas em responder: “Sim! Eu vali a pena!” E parece-me que quem não puder viver de modo a que, no fim da vida, possa dizer “Eu vali a pena!”, deveria pensar em desistir! Pois, para quê uma inutilidade? Aproveita a alguém, a começar pelo próprio? A questão é melindrosa. Pode levar à depressão, à análise emocional – logo irracional – das situações – e tantas são elas! – em que, na vida, tudo nos parece negro, tudo sem esperança, sendo a morte o caminho mais fácil para colmatar o desespero. E poder-se-iam perder muitas vidas que, julgadas inúteis até ao momento, muito ainda tivessem para dar, primeiro, ao próprio, aquele que tem de dar contas a si mesmo da vida, depois, aos que constituem a comunidade próxima ou afastada, indo do seu canto aos confins do mundo. Por isso, muito cuidado nessa auto-avaliação! É que, o suicídio, uma vez tendo vindo à vida, privilégio, afinal, tão raro, bem vistos todos os ingredientes que levam a um novo ser, é um ponto final antecipado que pode levar a danos irreparáveis em vez de ser uma catarse planetária.
Eu, claro, nunca me suicidaria, na vida! “Custou-me” tanto ter vindo a ela e, agora, ia assim desperdiçá-la por uma depressãozinha qualquer? Nem pensar! Mas, chegado ao fim, eis-me que respondo: “Eu vali a pena!”. Eu gerei, eu plantei, eu lutei com as armas da minha geração – cada geração tem as suas armas e é com elas que deve lutar sem ficar a carpir mágoas por não ter as de outros tempos... – ganhei e perdi, vivi! Eu semeei ideias para mudar pessoas e comportamentos, e o mundo que me viu nascer, o mundo onde nasci, chegando a todas as partes, via Internet. Infelizmente, pouco ou nada fui escutado. Nem nos meus livros, nem nos meus blogs. Talvez um dia! Mas as ideias novas aí ficam para quem as quiser aproveitar e, com elas, mudar o mundo, humanizá-lo, criar a imprescindível fraternidade universal, todos irmãos uns dos outros e não o “homo homini lupus”, “homo” que foi dos romanos e continua a ser nos nossos dias, nas pseudo-democracias criadas por esse mundo, pois todos escravos da tirania do dinheiro, da usura, da ganância de uns quantos que dominam – são “lupus”! – a maior parte da humanidade, não tendo qualquer pejo em deixá-la morrer à fome ou de doença, se isso acarretar ganhos para a sua conta bancária...
Então, e ainda, a última, a derradeira mensagem para os que ficam será: “VIVEI DE MODO A QUE, NO FINAL DA VOSSA VIDA, POSSAIS DIZER, COM UM SORRISO NOS LÁBIOS, SORRISO EMBORA JÁ ALI FENECENDO PELO DESENLACE FINAL: “EU VALI A PENA”!
A...........deus!!!!!
(NOTA: Escrevi isto num dia de euforia. Se o tivesse escrito em dia de depressão ou de desilusão de sucessos não obtidos, dias que de vez quando me atormentam o gostinho da vida, certamente teria sido outra a “literatura”. Mas foi bom que assim não tivesse sido...)

sábado, 28 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (45/?)

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (45/?)

    Deixemos, então Paulo, na sua ilusão da ressurreição dos mortos, e no seu empenho em que muitas comunidades acreditassem na sua pregação – o que aconteceu! – para dedicarmos alguma atenção a João, o grande mentor ou teólogo do Logos ou Palavra de Deus.
    Talvez baseado no salmo (Sl2,7) “Tu és o meu Filho. Eu hoje te gerei”, João começa o seu evangelho, inspirado, chamando Logos ou Palavra, a Deus, concluindo que “a Palavra se fez Homem... Filho único do Pai” e foi este Filho único que nos revelou Deus” (Jo 1). E, um pouco mais à frente: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu filho unigénito... De facto, Deus enviou o seu filho ao mundo...” (Jo 3,16-17)
    É baseado nesta sua primeira formulação que irá construir toda a narrativa a meu respeito, pondo na minha boca, a seu belo prazer e durante todo o seu evangelho, a afirmação de tal divindade ou tal origem divina, como Filho único real de Deus, ideia que nunca me passou pela cabeça! Apenas alguns exemplos: “Mas eu conheço-o (Deus-Pai) porque venho de junto dele e foi Ele que me enviou”. (Jo 7,29); “«Onde está o teu Pai?» Jesus respondeu: «Vós não conheceis nem a mim nem a meu pai. Se me conhecêsseis, também conheceríeis o meu pai»”, “Eu digo ao mundo coisas que lhe (a Deus-Pai) ouvi”, “Eu saí de Deus e venho dele” (Jo 8, 19; 26; 42); “O Pai e eu somos um” (Jo 10,30); “Não me vereis mais porque vou para o Pai” (Jo 16,10).
    Na narrativa evangélica, certamente já inspirada em Paulo cujas cartas deveriam ser conhecidas dos evangelistas, por já circularem pelas comunidades, havia, pelo menos uns vinte anos, caminha-se de um Jesus que timidamente se considera um ser especial, o “Filho do Homem” ou um “Messias”, para a divinização, obviamente para dar consistência à religião nascente. É que sem Deus a intervir na História do Homem, uma religião não teria qualquer hipótese de sobrevivência. E é na criação de uma nova religião que estão empenhados, primeiro Paulo, depois os discípulos de Jesus e seus sucessores.
    Mas já alguma vez algum teólogo se interrogou profundamente – e... honestamente! – sobre a lógica de Deus ter um Filho? E um Filho único? E que veio ao mundo, encarnando no seio de uma virgem? E que fez aqueles milagres todos, milagres apenas divulgados pelos evangelistas, isto é, os interessados na criação da nova religião, não havendo notícia deles em qualquer historiador da época? E que morre daquela maneira tão estúpida? E que depois ressuscita, aparecendo apenas a uns quantos conhecidos e amigos, quando a sua missão era convencer o mundo todo da sua mensagem do Novo Reino de Deus, devendo portanto aparecer a todo o mundo conhecido de então? Ressurreição que, obviamente, deveria ser notícia em todos os historiadores da época e não apenas nos suspeitos Paulo e evangelistas?
    Enfim, Deus ter um Filho é ontologicamente aberrante, se considerarmos Deus como ser absoluto, infinito e eterno. Como é aberrante a invenção da Santíssima Trindade – Deus uno e trino – para nela colocar, um Pai, um Filho e um Espírito. Aberrante, por inútil e inconsequente. Aberrante também – por totalmente desprovida de bom senso, lógica ou justiça! – a ideia de Deus infinito (fora de todo o espaço ou contendo todo o espaço) e eterno (fora de todo o tempo, ou contendo todo o tempo) enviar o tal suposto filho à Terra, apenas há dois mil anos, encarnando num homem chamado Jesus, para salvar ou redimir o Homem de um suposto pecado original, oferecendo-lhe a salvação eterna..., quando o Homem já existe há uns quatro milhões de anos, fazendo a sua peregrinação evolutiva de símio para o sapiens sapiens actual, quando a vida existe há cerca de três mil e quinhentos milhões de anos, a Terra há cerca de quatro mil e quinhentos milhões, o Universo conhecido há cerca de quinze mil milhões, ignorando-se o que há, houve ou haverá para além dele, no antes e no depois, no misterioso Tempo universal que lhe assiste.
    Esta a verdade – a verdade teológica – acerca de mim. Mas se quiserem continuar a acreditar no Jesus Cristo de Paulo e dos evangelistas, tentando justificá-lo através das Escrituras do AT, Escrituras inspiradas e belas (algumas, claro, sendo outras de atroz ferocidade...), sim, mas inspiração sem qualquer carácter divino, como as igrejas cristãs pretendem, embora não apresentem nenhuma justificação ou prova credível para o facto.
    No entanto, qualquer ser humano, sobretudo um intelectual, poderá viver paralelamente os dois “caminhos”: por um lado, acredita no Cristo e na sua vida eterna e com tal pensamento se conforta nas horas de amargura e sofrimento; por outro, raciocinando, vendo que tudo não passa de efabulações mais ou menos bem construídas, conforme a inspiração dos autores ditos sagrados, (obviamente, pelos mentores, os iniciadores e os continuadores da religião então criada!), diverte-se, remetendo tal facto para a Ciência e o Conhecimento filosófico da vida, das coisas, da História. E porque não, se assim se vive mais feliz?!

domingo, 22 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (44/?)

    Mateus, ao narrar a sentença que me ditou a morte (Mt 26,63-64) volta a referir, num diálogo que eu supostamente mantive com o Sumo Sacerdote, antes de me levarem ao procurador romano Pôncio Pilatos: “«Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Messias, o Filho de Deus»”, respondendo eu: “«É como acabaste de dizer»”. Semelhante resposta teria eu dado, à pergunta do procurador: “«Tu és o rei dos judeus»? – “«Tu o dizes».” Aqui, Mateus não deixa de ser ambíguo: se eu me queria afirmar como Filho de Deus, deveria ter sido mais explícito, não me limitando ao «É como acabaste de dizer». E que dizer daquela invenção de eu querer ser rei dos judeus? – Absurda, simplesmente!
    Mateus não iria acabar o seu evangelho sem se referir, várias vezes, à minha condição divina. A mais contundente é a exclamação do oficial e soldados que me executaram, ao verem todos aqueles supostos milagres que rodearam a minha morte (Mt 27,51-54): “A cortina do Templo rasgou-se em duas partes..., a terra tremeu e as rochas fenderam-se, os túmulos abriram-se e muitos santos falecidos ressuscitaram, saíram dos túmulos e passearam-se pela cidade, onde muita gente os viu...: «De facto, ele era mesmo Filho de Deus!» E não falemos mais da minha suposta ressurreição, “facto” narrado pelos quatro evangelistas, certamente lembrando-se de Paulo que uns vinte a quarenta anos antes tinha dito a célebre frase “Se ele não ressuscitou é vã a nossa fé” (1Cor 15), sendo, pois, a minha ressurreição a base de toda a fé cristã na tal vida eterna tão sonhada por Nicodemos. Infelizmente, suposta ressurreição... Infelizmente, suposta vida eterna...
    No entanto, o grande mentor da minha divindade e filiação divina seria o último evangelista, que teria escrito pelos anos 90 a 100, logo, cerca de 50 anos depois dos “factos” terem acontecido. Mas antes de irmos a João, vamos a Paulo que foi realmente o iniciador da minha cristificação/divinização.
    Em todas as suas cartas, pelo que ouviu falar de mim, parte do princípio, mas sem qualquer prova credível – os milagres que, uns vinte anos mais tarde do que Paulo, Mateus inventou para me divinizar não circulavam ainda pelas comunidades – de que eu fui o Cristo, o Messias, o poder de Deus, a sabedoria de Deus, sempre me chamando por “Jesus Cristo” ou “Nosso Senhor Jesus Cristo”, e assim, constrói o seu mundo religioso, mundo que viria a originar a religião cristã. Escreve bem Paulo. E inspirado! E escreve sobre usos e costumes, tentando, numa atitude louvável, moralizar as comunidades para quem escrevia, tendo sempre como base os meus ensinamentos, embora alguns deles os tenha deturpado ou adaptado ao seu modo de pensar e, claro, nunca esquecendo a ideia primeira de que eu era o Cristo, o Filho de Deus. O momento alto da sua inspiração talvez tenha sido aquele em que escreveu sobre o Amor: “Ainda que eu falasse todas as línguas...” (1Cor 13). O grande embuste de Paulo é que lhe convinha, para dar resposta às suas próprias dúvidas sobre a vida eterna – dúvidas que eram as mesmas de Nicodemos – acreditar piamente na minha ressurreição. Provas credíveis não lhe interessavam muito. Bastavam-lhe algumas: “que eu ressuscitei porque apareci a uns quantos discípulos e, de uma vez, a mais de quinhentos irmãos e também a ele...”, continuando o seu lógico raciocínio: “Ora se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou; e, se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia como vazia é a nossa fé.” (1Cor 15,12-14) Certíssimo, o que Paulo afirma. No entanto, todos concordarão que não é pelo facto de Paulo pregar um Cristo ressuscitado que esse Cristo ressuscitou realmente...

domingo, 15 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu?(43/?)

XI
A outra verdade de mim: Eu, Filho de Deus?!
    Muitas são as referências, nos evangelhos, acerca da minha divindade e ao suposto facto de eu ser “Filho de Deus”. Não filho como qualquer criatura o é, seja animal, planta ou pedra, sendo Deus o Tudo onde tudo se integra, mas Filho real, e... Filho Único ou Unigénito, concepção expressa, mais tarde, no inacreditável Credo católico: “Filho unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos”.
    Será importante, para finalmente dar a conhecer a “minha Verdade” ao mundo, apresentar algumas dessas referências e debruçar-nos um pouco sobre a sua inveracidade ou total falta de credibilidade.
    Após, o meu baptismo, por João, diz Mateus (Mt 3,17): “Então, o Céu abriu-se e Jesus viu o Espírito de Deus descer como pomba e poisar sobre ele. E do Céu, veio uma voz que dizia: «Este é o meu Filho amado que muito me agrada.»” É aqui que Mateus, na sua fértil imaginação, começa realmente a tentativa de me divinizar e de me ligar ao Céu. O Espírito vir como uma pomba até é imagem compreensível: já que, se é Espírito, é invisível, e torná-lo visível como pomba foi uma boa e, até certo ponto, louvável invenção. Mas qualquer escritor que fosse incumbido da missão de divinizar um ser vivo, fosse ele homem ou animal, teria facilmente dado largas à sua imaginação para criar cenários de beleza e simplicidade que lembrassem o Céu e, ao mesmo tempo, fossem de alguma credibilidade...
    Também Lucas (Lc 9,35), copiando Mateus, mas mais sóbrio nas palavras, refere o suposto facto: “Mas da nuvem saiu uma voz que dizia: «Este é o meu Filho escolhido. Escutai o que ele diz.»” A nuvem de Lucas ou o Céu de Mateus têm exactamente o mesmo objectivo: divinizarem-me. Mas não passam de fantasias de espaços e vozes... Na verdade, nada de Céu ali aconteceu!
    Novamente Mateus (Mt 4,3): “Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: «Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!»” Tinha razão o Diabo (se existisse, claro!!!) para suspeitar da minha falsa divindade. Seguindo a leitura de Mateus – e acreditando na sua versão! – nem eu próprio soube o que dizer a tal invectiva diabólica... Eu, Filho de Deus?!
    E sempre Mateus (Mt 16,15-17): “«E vós, quem dizeis que eu sou?» Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» Jesus disse: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no Céu. Lucas (Lc 9,20) diz o mesmo, mas continua bem mais sóbrio nas palavras e nos factos inventados: “«E vós, quem dizeis que eu sou?» Pedro respondeu: «O Messias de Deus.»”; e mais não diz. (Mateus continua com deduções a partir de tal inflamada declaração, dizendo ser Pedro a pedra de uma suposta Igreja que eu queria construir...). Terminam ambos com uma estranha afirmação: que eu proibi os apóstolos de revelarem a quem quer que fosse tal “Verdade”. Ora, porque proibiria eu a proclamação aos quatro ventos dessa “Verdade”, se era para isso que tinha “descido dos Céus”?! Depois, uma igreja que eu queria construir, assente sobre Pedro... Mateus limitou-se a pôr na minha boca a vontade dos que me quiseram divinizar, iniciando a construção de toda uma religião que precisava dessa instituição para se organizar, implementar e sobreviver. O que veio realmente a acontecer. E este, sim, é um facto interessante da História: como de uma invenção, se constrói o “império” religioso que são hoje as religiões cristãs, nomeadamente a católica, a que se arroga de única e verdadeira, acusando a protestante e a ortodoxa de dissenções...

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (42/?)

    Sendo, pois, tão conhecidos tais “factos”, não vale a pena referenciá-los mais pormenorizadamente. Apenas recordaria que, de entre os que me seguiam, escolhi doze discípulos, número que invocava as doze tribos de tão gratas recordações para o povo de Israel, e que sempre defendi os mais pobres, os fracos, os humildes, as mulheres, insurgindo-me contra os poderes religiosos instituídos que, juntamente com o poder político, subjugavam o povo com pesadas leis e inúmeros impostos devidos ao imperador e ao Templo. Os milagres foram descritos pelos evangelistas como tendo realmente acontecido, transformando-me, pobre mortal, em Deus ou num ente com os Seus superiores e divinais poderes, e não só eu mas também alguns discípulos, em meu nome, pois os Actos referem, entre outros, Pedro a ressuscitar uma morta e Paulo, um morto... Mas cometeram um pecado sem perdão contra a Verdade de Deus e dos Homens. É que – repito – não houve milagre nenhum! Foi tudo inventado para me poderem chamar o Cristo, o Ungido de Deus, o Seu Filho dilecto! E nem se coibiram de narrar o milagre da figueira à qual eu, zangado, ordenei que secasse por não ter fruto para me saciar a fome. Pobre figueira! Ora, sem invenção de milagre, bem poderiam ter feito passar de outro modo a minha mensagem de que quem não produz bons frutos merece ser lançado, seco, à geena ou fogo que nunca se extingue. De verdade, houve apenas os inúmeros prodígios que realizei, possuidor que era de vastos conhecimentos de curandeiro, muitos cegos recuperando a vista, epilépticos a calma, mudos a fala, caso as lesões tivessem sido provocadas apenas por doenças com origem na perturbada mente ou na descontrolada alma. Nem cegos de nascença a recuperarem olhos que não tinham, nem coxos sem pernas a andar, nem pães e peixes a multiplicarem-se aos milhares, nem água a transformar-se em vinho, nem tempestades a acalmarem a um gesto do meu braço, nem mortos a ressuscitarem... – digo-o pela última vez.
    Portanto, esquecei, ó Homens, vós todos que até agora tendes acreditado na veracidade dos milagres que chegaram até vós através dos evangelhos e secundados pela Igreja Católica que os tornou sagrados e dogmáticos! Esquecei-os a todos! Não acrediteis em invenções, tenham ou não os mais excelsos e cativantes objectivos! Mas não esqueçais a minha mensagem de fraternidade universal! É que essa será a única chave que trará a harmonia ao mundo, melhorando o Homem, minorando o sofrimento de muitos, acabando com as guerras, a violência, a morte não natural, já que a natural é inevitável por inerente a todo o acto de nascer de qualquer ser vivo. E, como percebestes, eu não consegui dar a Nicodemos a vida eterna que ele tão ansiosamente procurava. Não a consegui para ele, como não a consegui para mim, como ninguém a conseguirá para ninguém! Desenganem-se, pois! É que não há eternidade para os indivíduos! A eternidade é própria apenas de um Ser, a que podemos chamar Deus, mas que forçosamente tem de se confundir com tudo o existente em potência ou em acto, estando fora do tempo, fora do espaço ou, melhor, integrando todo o tempo, todo o espaço e tudo o que se encontra no espaço sujeito ao tempo. Quem? – Tudo e todos! Nós também, obviamente.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (41/?)

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (41/?)

X
A verdade de mim
    Esta, a minha verdadeira vida pública. A “outra”, a narrada pelos evangelhos canónicos umas dezenas de anos depois da minha morte, toda a gente a conhece: os meus antepassados, o meu nascimento e meninice, e, silenciando totalmente a minha juventude, logo a minha idade adulta com o baptismo de João Baptista, as tentações no deserto, a escolha dos primeiros discípulos e todas as minhas pregações que se iniciaram na Galileia: o sermão da montanha, o Reino dos Céus, a reconciliação com o próximo, o arrancar um olho que leva à perdição, a não separação do casal, o evitar juramentos, o dar a face direita a quem vos bateu na esquerda, o amar os inimigos, o dar esmola, a oração de agradecimento, o jejum, a verdadeira riqueza, o Pai do Céu que se preocupa com os Seus filhos, o não julgar os outros, o caminho para a vida eterna, os falsos profetas, quem entra no Reino dos Céus, o cumprimento da Lei, o envio dos apóstolos a pregar a Boa Nova e a profecia dos sofrimentos que iriam padecer, a quem devemos temer, o Cristo motivo de divisão, a recompensa da vida eterna para o justo, a maldição sobre as cidades rebeldes, Deus a revelar-se aos humildes, a polémica do sábado, o encontro com o Diabo, a árvore e os seus frutos, o não querer receber a minha família, enfim, as parábolas do semeador, do trigo e do joio, do grão de mostarda, do fermento, do tesouro escondido, da pérola preciosa, da rede lançada ao mar...; depois, a minha rejeição em Nazaré, a luta contra antigas tradições, o que torna as pessoas impuras, a fé de uma estrangeira, a denúncia da maldade dos fariseus e saduceus, a minha transfiguração, a disputa sobre o imposto devido ao Templo, a alegria pela ovelha encontrada, o perdoar sempre, o divórcio, as crianças e o Reino de Deus, os ricos e esse mesmo Reino, a parábola dos trabalhadores da vinha, o pedido da mãe dos filhos de Zebedeu para terem um bom lugar no Reino, a minha entrada triunfal em Jerusalém, a expulsão dos vendilhões do Templo, a parábola dos dois filhos, os planos dos fariseus para me apanharem em falso, a referência à ressurreição, o mandamento mais importante, a censura dos doutores da Lei e fariseus, o choro sobre Jerusalém, a profecia da destruição do Templo e do meu sofrimento e perseguição, o anúncio da vinda do Filho do Homem e do fim dos tempos seguido do Juízo Final, os planos para me matarem, a mulher que me derramou um frasco de alabastro sobre a cabeça, a última ceia, a minha oração no Getsémani, o beijo de Judas e a minha prisão, o meu julgamento, a morte de Judas enforcado na figueira, Pilatos e a minha condenação, a flagelação, a coroação de espinhos, o calvário, a crucifixão, a morte, a sepultura, a guarda do túmulo, a ressurreição, a ascensão aos céus; e, recheando tão cativante narrativa de acontecimentos e ensinamentos, os inúmeros milagres: cura de todo o tipo de doentes que me iam sendo apresentados, ressurreição de vários mortos, multiplicação de pães e peixes para alimentar multidões famintas, tempestades serenadas, água se transformando em vinho... e muitos outros, envolvendo cenas comoventes de pranto, humanidade e... fé.